26 agosto 2024

Minha opinião: por um triz

Nos mínimos detalhes 

Luciano Siqueira   


Sempre me intrigou a verdade cada vez mais comprovada — sobretudo na atualidade protagonizada pela inteligência artificial, super-robôs e tecnologias várias — de que a vida se decide nos mínimos detalhes. 

Fração de segundos, em inúmeros casos. 

 

Na medicina, cirurgias complexas que não se faziam porque faltava a garantia da mais absoluta precisão, hoje robôs supervisionados pelo cirurgião humano salvam vidas e mesmo, em certos casos, a capacidade cognitiva do paciente. 

 

Nas recentes Olimpíadas de Paris, vimos na TV que um atleta supera o outro porque um dos dedos do pé escapou um pouco ao controle e o equilíbrio sobre uma trave ou um tatame não é o mesmo do concorrente que, elevado à perfeição, faz-se vitorioso.

 

Pior: mísseis teleguiados ou torpedos mortíferos conduzidos por drones controlados a centenas de milhares de quilômetros de distância atingem alvos humanos numa fração de segundos. 

 

Mas a maioria dos 8,2 bilhões de terráqueos poucos se beneficiam de tamanha precisão. Sequer toma conhecimento disso. 

 

Ou muitos, como eu, nem tiram proveito e ainda perdem uma parcela do sono noturno envoltos em inapelável inquietação.

Estou entre os que sempre enxergaram beleza nas incompletudes da vida — no mundo mineral, nas plantas e animais e em nós mesmos. 

Afinal, boa parte dos impulsos que alimentam o bom uso das nossas energias físicas e subjetivas ocorre exatamente na tentativa de suprir carências e imperfeições. 

Fossemos os humanos perfeitos, certamente já não teríamos tanta necessidade de afeto ou não nos veríamos compelidos pela curiosidade na busca de saber como as coisas são e como a vida flui. 

O traço leve que dá forma e coerência às cores pintadas pelos expressionistas, os acordes sincronizados de uma trilha sonora e os versos instigantes de um poema, fôssemos perfeitos e precisos, repito, não fariam nenhum sentido. 

A beleza da vida sairia pelo ralo. 

 

Mas não me deixo sucumbir pelo espanto de agora na esperança de que, a despeito dos mínimos detalhes da perfeição científica e técnica, permaneçam vivos a necessidade do canto do pássaro que se aproxima da janela, o equilíbrio instável da rosa que brotou aos primeiros minutos da manhã e essa brisa que, furtiva e insinuante, me acaricia o rosto. 

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/05/minha-opiniao_18.html

3 comentários:

Alice disse...

A riqueza de uma vida sábia está em saber curtir o agora, dando a si a liberdade de contemplar a graciosa mãe natureza que nos abençoa todos os dias com o oxigênio vital a nós, com a brisa singela, o cantar dos passarinhos e com a magia que acalma todos e reduz a ansiedade tão presente na era atual. Tal e qual o saber contemplar o belo, a vida atual exige de todos o equilíbrio no uso correto da tecnologia. Um passo a mais, ou um a menos pode implicar em algo não positivo à nossa mente e ao nosso corpo. Autoconhecimento e respeito: essas palavras resumem bem uma das maiores riquezas da era atual. :)

Anônimo disse...

Quanta sensibilidade a sua capacidade de capturar e retratar, através das palavras, as nuances sutis e as emoções do cotidiano.

Anamaria disse...

Querido Luciano! Esse texto é poesia pura! Provocou emoções, me fez valorizar as imperfeições, indagar o que me move. Obrigada por essa rica provocação!