Por Joana Rozowykwiat, do Portal Vermelho
O governo
provisório de Michel Temer quer limitar, por 20 anos, o crescimento dos gastos
públicos à variação da inflação do ano anterior. Para o diretor técnico do
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese),
Clemente Ganz Lúcio, a medida tem custo social enorme e não ajuda na retomada
do crescimento. De acordo com ele, o equilíbrio fiscal proposto por Temer faz
uso de uma terapia “parcial”, que pesa sobre o povo e poupa os que lucram com
juros da dívida.
Na sua
avaliação, para sair de um momento de crise, é preciso que o Estado intervenha
na economia, de forma a estimular o crescimento. “É, portanto, uma terapia que
implica gastos, especialmente gastos de investimento e sustentação dos gastos
sociais, porque geram renda e isso significa mercado interno”, diz Clemente.
O
remédio que receita é, então, exatamente o contrário do que propõe Temer e sua
equipe econômica, que, ao fixar um teto para o crescimento dos gastos,
restringe a atuação do Estado nesse sentido.
“Há
uma concordância de que, no longo prazo, deve-se trabalhar com o equilíbrio
fiscal. Mas isso tem que ser construído no momento em que a economia volta a
crescer e, portanto, há recuperação da receita do Estado. Fazer um ajuste como
este agora é consolidar uma terapia que joga para a sociedade o custo desse
ajuste”, critica.
Clemente
lembra então que o teto pretendido pelo governo atinge apenas as despesas
primárias, excluindo, portanto, os gastos de natureza financeira. “Não está
incluído o gasto com os juros da dívida. É então é uma terapia parcial, que
escolhe a sociedade e os mais fracos como responsáveis pela crise. Debilita o
que deveria ser a capacidade do Estado de intervir na economia, não orienta o
investimento e, portanto, não ajuda a sair da crise”, condena.
De
acordo com ele, não só a PEC exclui da limitação os gastos com o pagamento de
juros e outros serviços da dívida pública, como, na verdade, tem o objetivo de
garanti-los. “A restrição ao gasto social e ao investimento é justamente para
preservar o pagamento dos custos da dívida, o que é um absurdo”, diz.
O
diretor técnico destaca que o país tem gasto, por ano, mais de R$500 bilhões
para pagar juros e encargos da dívida “para meia dúzia de beneficiários dessa
transferência”. Só em 2015, foram R$ 540 bilhões direcionados para este fim.
“E
vamos impor aos mais de 200 milhões de brasileiros que não são donos da dívida
pública um baita arrocho, para que tenhamos capacidade fiscal de fazer essa
transferência. É um escândalo! E é algo que a sociedade não debate, o governo
não coloca publicamente esse assunto”, afirma. Para ele, a “terapia” mais
adequada deveria ser “desmontar essa engrenagem de transferência de renda na
dívida pública, reorganizando seu custo”, avalia.
Segundo
Clemente, pior é o fato de que, ao estabelecer um teto para os gastos
primários, o governo mexe nas regras definidas pela Constituição de 1988,
sem consultar a população sobre o assunto.
“Aquelas
regras fazem parte de um acordo com a sociedade. O governo está mexendo nesse
acordo sem discutir com ela. E fazer isso num momento de depressão econômica é
ainda mais grave, porque é um momento em que a sociedade está fragilizada, e o
Estado deveria atuar no sentido de recuperar a capacidade econômica dessa
sociedade”, analisa.
Na sua
avaliação, se aprovado, o limite para as despesas públicas trará redução de
verbas para Educação, Saúde e todas as políticas socais – “o que já é muito
grave e, ainda por cima, não recoloca a economia em uma trajetória de
crescimento”.
Questionado
sobre o prazo de 20 anos que o governo quer fixar para a medida vigorar,
Clemente classificou o período como “uma piada”. Ele avalia que Temer pode ter
colocado um prazo tão extenso para haver margem de negociação no Congresso –
"a estratégia do bode na sala", compara.
Mesmo
dentro da gestão, havia divergências quanto a esse período. Inicialmente, o
próprio Temer queria um prazo de seis anos, mas terminou cedendo à opinião do
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
Amarrando
a ação do Estado - Para o analista
aposentado do Banco Central e presidente do PCdoB do Ceará, Luis Carlos Paes de
Castro, a PEC representa um retrocesso, que vai na contramão da luta para
ampliar os gastos com Saúde e Educação. Segundo ele, a medida ignora
fatores como o crescimento da população, a evolução de tratamentos de Saúde,
por exemplo, e o déficit de qualidade que ainda há em algumas áreas.
“Com
isso [a PEC], você fica amarrado”, defende. Ele exemplifica, ressaltando que os
gastos com Saúde costumam aumentar, inclusive, porque novos equipamentos,
exames, medicamentos e tratamentos vão sendo descobertos e criados, de maneira
que, para se adequar, é preciso investir.
“Há
aumento do gasto a cada ano, em função do crescimento populacional e também de
novos equipamentos, remédios, etc, que implicam mais investimentos, se você não
quiser ficar estacionado no tempo”, coloca.
Para
ele, limitar o gasto público em áreas como Saúde “significa que ou vai
precarizar o atendimento atual e os serviços vão ficar piores, ou vai ter que
tirar muita gente do SUS e jogar na Saúde privada”.
Paes
de Castro acrescenta que o mesmo vale para a Educação. “A gente precisa ainda
dar formação melhor, melhorar os salários dos professores, equipar as escolas,
investir no nível fundamental, médio e superior, botar mais gente para fazer
mestrado e doutorado. Congelar esses gastos, não permitir que cresçam, é
restringir tanto a qualidade do ensino público como da Saúde. É um total
absurdo”, critica.
Assim
como Clemente, ele aponta que o governo erra o foco, ao propor medidas que penalizam
aqueles que mais precisam dos serviços públicos. “O que se precisa reduzir é o
gasto astronômico com a rolagem da dívida pública. São taxas estratosféricas,
que remuneram os que compram títulos da dívida pública e são as maiores do
planeta. Isso é que precisa ser revisto”, receita.
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