Emir Sader, Brasil 247
Dois
ídolos do ódio racista que a direita promoveu no Brasil, Bolsonaro e Moro,
usaram o dedo do Lula para expressar seus valores. Bolsonaro imprimiu e
difundiu camisetas em que aparece a mão do Lula com quatro dedos, explorando o
defeito físico do maior líder popular que o Brasil já teve. Moro, conversando
com seus comparsas, se refere ao maior dirigente político que o país tem como
"nine", uma forma depreciativa de mencionar Lula.
São
duas formas de expressão em que se revelam personalidades desprezíveis, odiosas
execráveis, de preconceito e de tentativa de desqualificação de um líder
popular, de um operário, de um imigrante nordestino. Coisas que incomodam
profundamente à direita brasileira e por isso ela se expressa, através de seus
lideres, dessa forma. Expressam bem o que é a elite branca brasileira do centro
sul, que se considera dona do país e sempre tratou de tratar aos outros – os de
origem popular, os do nordeste, os trabalhadores – como bárbaros, selvagens,
"mal informados", como disse o outrora líder dessa gente, o FHC.
A
sociedade brasileira teve sempre a discriminação como um dos seus pilares. A
escravidão, que desqualificava, ao mesmo tempo, os negros e o trabalho –
atividade de uma raça considerada inferior – foi constitutiva do Brasil, como
economia, como estratificação social e como ideologia.
Uma
sociedade que nunca foi majoritariamente branca teve sempre como ideologia
dominante a da elite branca. Sempre presidiram o país, ocuparam os cargos mais
importantes nas FFAA, nos bancos, nos ministérios, na direção das grandes
empresas, na mídia, na direção dos clubes, nas universidades, nos governos – em
todos os lugares em que se concentra o poder na sociedade, estiveram sempre os
brancos.
A
elite paulista e do sul do país representa, melhor do que qualquer outro setor,
esse ranço racista. Nunca assimilaram a Revolução de 30, menos ainda o governo
de Getúlio. Foram derrotados sistematicamente por Getúlio e pelos candidatos
que ele apoiou. Atribuíam essa derrota aos "marmiteiros"- expressão
depreciativa que a direita tinha para os trabalhadores, uma forma explicita de
preconceito de classe.
A
ideologia separatista de 1932 – que considerava São Paulo "a locomotiva da
nação", o setor dinâmico e trabalhador, que arrastava os vagões
preguiçosos e atrasados dos outros estados – nunca deixou de ser o sentimento
dominante da elite paulista em relação ao resto do Brasil. Os trabalhadores
imigrantes, que construíram a riqueza de São Paulo, eram todos
"baianos" ou "cabeças chatas", trabalhadores que
sobreviviam morando nas construções – como o personagem que comia gilete, da
música do Vinicius e do Carlos Lira, cantada pelo Ari Toledo, com o sugestivo
nome de pau-de-arara, outra denominação para os imigrantes nordestinos em São
Paulo.
A
elite paulista foi protagonista essencial nas marchas das senhoras com a igreja
e a mídia, que prepararam o clima para o golpe militar e o apoiaram, incluindo
o mesmo tipo de campanha de 1932, com doações de joias e outros bens para a
"salvação do Brasil"- de que os militares da ditadura eram os agentes
salvadores.
Terminada
a ditadura, tiveram que conviver com Lula como líder popular e o Partido dos
Trabalhadores, para quem canalizaram seu ódio de classe e seu racismo. Lula é o
personagem preferencial desses sentimentos, porque sintetiza os aspectos que a
elite paulista mais detesta: nordestino, não branco, operário, esquerdista,
líder popular.
Não
bastasse sua imagem de nordestino, de trabalhador, sua linguagem, seu caráter,
está sua mão: Lula perdeu um dedo não em um jet-sky, mas na máquina, como
operário metalúrgico, em um dos tantos acidentes de trabalho cotidianos,
produto da super exploração dos trabalhadores. Está inscrito no corpo do Lula,
nos seus gestos, nas suas mãos, sua origem de classe. É insuportável para o
racismo da elite branca brasileira.
Essa
elite racista teve que conviver com o sucesso dos governos Lula, depois do
fracasso do seu queridinho – FHC, que saiu enxotado da presidência – e da sua
sucessora, a Dilma. Teve que conviver com a ascensão social dos trabalhadores,
dos nordestinos, dos não brancos, da vitória da esquerda, do PT, do Lula, do
povo.
O ódio
a Lula é um ódio de classe, vem do profundo da burguesia paulista e do centro
sul do país e de setores de classe média que assumem os valores dessa
burguesia. O anti-petismo é expressão disso. Os tucanos foram sua representação
política e a mídia privada, seu porta-voz.
Da discriminação, do racismo, do pânico diante das ascensão das classes populares, do seu desalojo da direção do Estado, que sempre tinham exercido sem contrapontos. Os Cansei, a mídia paulista, os moradores dos Jardins, os adeptos do FHC, do Serra, do Gilmar, dos otavinhos – derrotados, desesperados, racistas, decadentes.
Da discriminação, do racismo, do pânico diante das ascensão das classes populares, do seu desalojo da direção do Estado, que sempre tinham exercido sem contrapontos. Os Cansei, a mídia paulista, os moradores dos Jardins, os adeptos do FHC, do Serra, do Gilmar, dos otavinhos – derrotados, desesperados, racistas, decadentes.
Na
crise atual, a burguesia e setores da classe media do centro sul protagonizaram
algumas das cenas mais vergonhosas da historia brasileira, nas manifestações
contra a democracia, a favor do golpe e da ditadura militar, exibindo suas
dimensões mais fascistas e discriminatórias. Colocavam pra fora o ódio contra
os que tinham regulamento o trabalho das empregadas domésticas, que já não
serviriam à opressão e à exploração indiscriminada das patroas. Contra os que
tinham transformado o Nordeste, que tinham aberto as universidades para os
jovens pobres, contra os que tinham permitido aos pobres de viajar para ver
seus parentes ou para fazer turismo. Contra os que fizeram do Brasil um país
menos injusto, menos desigual, contra os que tiraram o país do Mapa da Fome, a
que as elites brancas tinham condenado o povo para sempre.
E Lula
sempre foi e continua sendo a expressão mais alta desse movimento de
democratização social do Brasil. Gente como Bolsonaro e Moro ofendem a Lula
porque sabem que assim ofendem ao povo, aos trabalhadores, aos nordestinos.
Tentam desconhecer que a indústria brasileira foi construída com as mãos de
operários como o Lula, que os carros em que eles passeiam foram construídos por
trabalhadores como o Lula. Que o dedo que Lula perdeu são os muitos dedos que
os acidentes diários de trabalho provocam nos trabalhadores, para sobreviver
com baixos salários e produzir as riquezas do Brasil.
O
racismo é um crime imprescritível. Bolsonaro e Moro são os herdeiros do
político do sul que disse que "iam acabar com essa raça por décadas".
Deveriam ser processados por racismo, ao exibir essas camisetas com Lula sem um
dedo e ao falar de Lula como "nine". São seres desprezíveis, odiosos,
execráveis, do pior que o Brasil tem, pelo ódio de classe ao povo, aos
trabalhadores, aos nordestinos, pelo ódio ao Brasil.
Nós
nos orgulhamos de Lula como eles não podem se orgulhar de seus ídolos,
promotores do estupro de mulheres e agentes fascistas contra os partidos e
líderes de esquerda, contra a própria democracia, que é e será fatal para eles.
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