Luís Nassif, no Jornal GGN
O cenário estratégico do governo Temer dependerá
dos seguintes desdobramentos:
1. A questão econômica.
2. A questão política.
3. O desdobramento de ambas
no campo da aliança que levou ao golpe
Peça 1 - primeiro tempo da economia - O
quadro que se tem hoje é de uma enorme liquidez internacional. Internamente,
uma enorme taxa de juros internas, com a Selic a 14,25% e a garantia do Banco
Central de mantê-la elevada por bom tempo. E também um governo novo, o que
garante estabilidade política pelo menos até o final do ano.
Tudo isso combinado leva a um duplo movimento de
apreciação dos ativos internos - especialmente a Bolsa e o real. Ou seja, Bolsa
sobe, dólar desce impulsionados pelo capital de curto prazo. Não se espere
nenhum investimento de longo prazo em um país em que nem o contrato dos
contratos – o voto para presidente – é respeitado.
As raposas de mercado sabem disso e acentuarão esse
movimento altista de curto prazo em parceria com a mídia, celebrando cada
pequeno refresco econômico como se fosse o fim da crise e cada avanço
parlamentar como se fosse o desfecho das reformas.
Vale até dezembro.
Peça 2 - segundo tempo da economia - À
medida em que se aproxime o final do ano, a realidade começará a se impor:
1. A constatação de que NÃO haverá reformas.
2. A constatação de que a camarilha dos 6 e o baixo
clero do Congresso - e do Ministério Temer - não trabalham estratégias de longo
prazo: querem o seu à vista e imediatamente. Em parte, pela ausência total de
conteúdo programático. Em parte, porque pairam sobre grande parte deles
processos judiciais e ameaças de prisão. Apenas Michel Temer ganhou
salvo-conduto enquanto permanecer presidente.
3. Da base pode-se esperar leis contra direitos
trabalhistas. Ela representa os cafundós, o país pré-industrializado, sem
sindicatos nem direitos trabalhistas garantidos. Não se dá o mesmo com a
Previdência Social e os gastos com saúde e educação. A característica maior do
baixo clero é seu caráter municipalista. E é nos municípios que irão bater os cortes
orçamentários.
4. Finalmente, haverá duas obstruções importantes
nos caminhos do desmonte: da oposição a Temer e da base aliada, que se alinhará
para impedir a cassação e os processos contra Eduardo Cunha.
Se terá, de um lado, o governo Temer sem condições
de gerar fumaça e expectativas positivas. De outro, o peso da realidade, do
vencimento de um caminhão de bônus externos afetando todos os grandes grupos
nacionais. Eles se prevaleceram da queda dos juros internacionais para um
pesadíssimo programa de investimentos, com os preços das commodities ainda em
alta. A conta é impagável, exigindo praticamente um Proer para esses grupos,
com recursos do BNDES e do Tesouro.
Qual a legitimidade do governo Temer para bancar
essa operação?
Portanto, a partir do final do ano invertem-se os
movimentos: a bolsa começará a cair, o dólar a subir e a blindagem irá se
diluindo.
E aí se chegará na hora da verdade.
Peça 3 – a guerra dos porões - Assim
como nos estertores do regime militar, o fim do inimigo comum promoverá uma
guerra surda entre os diversos grupos que compõem a repressão.
De um lado, Gilmar Mendes tratará de montar
estratégias de contenção da Lava Jato. Os grupos de mídia começarão lentamente
a tirar os microfones da operação. Polícia Federal e procuradores já estão em
guerra aberta. O mesmo acontece entre investigadores e delegados da PF.
No Ministério Público Federal, a demissão de Ela
Wiecko da vice-procuradoria da República teve desdobramentos muito mais
profundos dos que aqueles divulgados pela mídia. Ela não pediu demissão
simplesmente porque afirmou inadvertidamente para um repórter que havia
delações contra Michel Temer. Antes disso, ela pediu demissão e disse
pessoalmente ao Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot seu
desconforto com o fato de estar segurando uma enorme quantidade de evidências
contra Temer e sua turma, permitindo que se blindassem no poder. Refletia o
estado de espírito de muitos procuradores insatisfeitos com a condução das
investigações da Lava Jato.
O MPF é uma corporação disciplinada, na qual
pouquíssimos procuradores têm a coragem pessoal de manifestar discordância –
mesmo sabendo que a atuação atual do PGR compromete a imagem do MPF junto a
círculos influentes dos organismos de direitos humanos internacionais e
nacionais. A atitude de Ela pela primeira vez expos, para fora, os rachas
internos.
Nos próximos meses crescerá a disputa interna pela
sucessão de Janot, provavelmente entre Nicolau Dino, candidato de Janot (é um
dos formuladores dos Dez Mandamentos do MPF), Mário Bonsaglia, de São Paulo, e
a própria Ela, representando os segmentos mais legalistas. Só que, desta vez,
não se terá um presidente disposto a nomear o mais votado. Certamente Michel
Temer escolherá um PGR da sua estrita confiança.
Como ficará, então, o jogo de poder no MPF e na
própria Lava Jato?
A Lava Jato criou ilhas de privilégio dentro das
duas corporações. A força tarefa é premiada com diárias cumulativas, e, agora,
com essa medida imprudente de ficar com percentuais das quantias recuperadas.
Essas vantagens fazem com que se apegue cada vez mais ao cargo – da mesma
maneira que os porões na ditadura – e crie ilhas de excelência em um poder que,
como toda burocracia, tem apego ao formalismo e à igualdade hierarquizada.
Na ditadura, a guerra dos porões resultou em bombas
na OAB e em bancas de jornais. Obviamente os tempos são outros e há
bombas políticas mais sutis e de maior octanagem, que será a caça ao grupo de
Temer – devidamente aparada por Gilmar no STF, e Janot na PGR. Não disponho de
nenhuma informação maior sobre o novo comportamento de Janot. É apenas uma
suposição levando em conta seu histórico, seu caráter adaptativo, ainda mais
depois de ter se tornado o principal articulador das operações que levaram
Temer ao poder.
Mas como ficarão as relações com o Supremo – com
Gilmar matando no peito – e nos tribunais superiores? Ontem, na sua posse como
presidente do Superior Tribunal de Justiça, Laurita Vaz, ex-procuradora, fez um
candente discurso contra a corrupção. Na solenidade, foi muito aplaudida pelos
representantes do governo Temer, Eliseu Padilha, Romero Jucá, Eunício Oliveira.
Eduardo Cunha não pôde comparecer por problemas de ordem maior.
A sustentação desse jogo hipócrita se dará apenas
com uma melhoria considerável da economia – cenário que não está no horizonte.
A alternativa, então, será aumentar a repressão.
Peça
4 – a repressão - Ontem as redes sociais divulgaram um vídeo de um
advogado sendo vilmente espancado por três PMs gaúches. Hoje a informação de
que o advogado foi indiciado e nada foi aberto contra os PMs. Alguma idiota da
objetividade ainda dirá que a divulgação do vídeo é prova maior de que estamos
em um regime democrático.
A
repressão generalizada das Polícias Militares aos protestos contra o
impeachment tem dois organizadores principais. Um deles, o Ministro da Justiça
Alexandre de Moraes, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública – que
coordena as PMs – o outro, o general Sergio Etchegoyen que, através do GSI
(Gabinete de Segurança Institucional) passou a controlar o Sisbin (Sistema
Brasileiro de Inteligência).
A
segurança das Olimpíadas deveria ter sido confiada ao comando do Estado Maior
das Forças Armadas. Ou ao Ministério da Defesa. Temer entregou à GSI. O envio
de tropas do Exército para ocupar a avenida Paulista, no próximo domingo – a
pretexto de escoltar a tocha da Paraolimpíada – faz parte dessa estratégia de
endurecimento e de entorpecimento gradativo da consciência jurídica do país. A
cada manifestação é maior a violência das PMs. Mas a mídia estava preocupada em
discutir a constitucionalidade do fatiamento do julgamento de Dilma.
À
medida em que a legitimidade de Temer for sendo corroída junto ao mercado,
aumentará a escalada repressiva. Vai ser curioso porque acelerará o desfecho de
um jogo hipócrita. Cada passo a mais da repressão tornará mais evidente a ficha
suja dos novos donos de poder. Analisarei esse quadro em um Xadrez próximo.
Aí,
sim, se verá se há procuradores e juízes na República.
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