Haroldo Lima, no Vermelho
Em 2002, através de eleições
gerais, o Brasil começou a trilhar um caminho novo de construção nacional,
sumariamente chamado de desenvolvimento com inclusão social. Um partido
político, originário de grandes mobilizações sindicais, e que forjara um grande
líder, liderou esse processo, apoiado por quase todos os progressistas do país.
Iniciou-se um período de grandes transformações sociais: o Brasil saiu
do mapa da fome da ONU, mais de 30 milhões de brasileiros ascenderam a um
padrão de vida minimamente digno.
Isto foi feito sem que as estruturas de poder no país fossem alteradas.
Os ricos, especialmente os banqueiros, continuaram ganhando uma enormidade.
Mas, turbulências econômicas cresceram, por conta da crise que desde 2008
assola o capitalismo, e que aqui se abateu com força a partir de 2014. As
revelações dos métodos espúrios existentes entre grandes grupos econômicos
privados, o capital
público e setores políticos, e sobretudo o combate a esse sistema corrupto, fizeram estremecer os alicerces dos que sentiam estar perdendo poder com a ascensão de camadas sociais.
público e setores políticos, e sobretudo o combate a esse sistema corrupto, fizeram estremecer os alicerces dos que sentiam estar perdendo poder com a ascensão de camadas sociais.
A isso tudo se agregam as debilidades, hesitações e erros do governo,
leniente em tomar medidas de recuperação da indústria, em dialogar com aliados,
em criar expedientes para dinamizar a economia, em democratizar meios de
comunicação, em falar mais para o povo sobre a dimensão dos problemas e em
convocá-los para a busca de soluções.
A insatisfação das elites brasileiras crescia. A perspectiva de mudar a
situação a seu favor através de eleições não era visível. Seus partidos já
tinham perdido quatro eleições presidenciais sucessivas. Lula, o líder maior
dessas forças populares, apesar de toda a campanha difamatória que contra ele
se faz, continua aparecendo como o preferido para a eleição de 2018. A saída,
para elas, através da democracia, parecia não existir. Então, dane-se a
democracia. E vire-se o jogo do jeito que der.
Em outras oportunidades, aqui no Brasil, e em diversos países
sul-americanos, a saída era clara: com o respaldo norte-americano,
articulavam-se os militares, formados nas escolas de guerra dos Estados Unidos,
onde aprendiam que reforma agrária, urbana, educacional, direitos humanos, de
minorias, sindicatos, intelectuais, padres avançados, tudo isso, era comunismo,
que deveria ser barrado em função da “segurança nacional”. Na continuidade,
tanque na rua, Constituição rasgada, Constituição outorgada, o golpe clássico.
Agora as coisas são diferentes. O mundo mudou, e muito. Rasgar
Constituição ou outorgar uma outra é muito difícil. O golpe clássico – tanque
na rua – está ultrapassado. É necessário modernizá-lo.
O rumo da modernização golpista já tinha sido indicado em 2012 no
Paraguai, quando o Congresso votou um impeachment do presidente progressista
Lugo e este foi substituído pelo seu vice, um direitista, o Federico Franco.
Tudo foi feito com tal “legalidade”, que o próprio Lugo chancelou de certa
forma aquele golpe.
Repetir a dose no Brasil era mais complexo. Mas a urdidura foi toda
feita. Uma frente parlamentar-policial-judiciária-midiática foi montada. Tomava
algumas posições simpáticas, como um combate à corrupção, de forma seletiva,
mas bem camuflada, parecendo uma coisa séria e não facciosa. E partiu-se à cata
de um pretexto a ser caracterizado como “crime de responsabilidade”, capaz de
legalizar o golpe. Os prazos, os ritos, as aparências, tudo seria respeitado. Mas a decisão já estava tomada. Tirar Dilma e, com isto, encerrar a experiência de “desenvolvimento com inclusão social” no Brasil.
legalizar o golpe. Os prazos, os ritos, as aparências, tudo seria respeitado. Mas a decisão já estava tomada. Tirar Dilma e, com isto, encerrar a experiência de “desenvolvimento com inclusão social” no Brasil.
E assim a democracia foi sacrificada. O partido que há trinta anos, pelo
caminho das eleições, não conseguiu chegar na Presidência, agora, sem eleições,
chegou fácil.
Mas o golpe é, por um lado, um fim; por outro, um começo. Fim de uma era
de bonança para o povo, que vive de salário mínimo, de previdência pública, do
SUS, e que estava vendo filho em universidade, gostando de viajar de avião e de
comprar carro. E começo de uma nova fase de entreguismo, de privatizações e de
arrocho, nos salários, nos direitos, na cultura, nas representações políticas.
Seria o prevalecimento do negociado sobre o legislado, do aniquilamento da CLT,
da elevação da idade para a aposentadoria, do fim da política de reajuste do
salário mínimo.
Concluído o golpe, o governo de Michel Temer tomou posse incontinenti. E
as fotos divulgadas das suas reuniões mostram, pelo que revelam, outro
escândalo, um governo só de homens, e só de
brancos. Seria um governo misógino-racista, com aversão às mulheres e aos negros?
brancos. Seria um governo misógino-racista, com aversão às mulheres e aos negros?
Se a experiência golpista do Paraguai foi a inspiração primeira desse
golpe de 2016 no Brasil, as diferenças das situações dos dois países são
muitas. Lá, o Lugo saiu derrotado mas dizendo que se “submetia”. Aqui, a Dilma,
saiu derrotada, mas aclamada e, coração valente, denunciando o golpe. Depois, a
realidade política e social do Brasil é bem diferente da paraguaia.
A massa humana que enxergou o caminho da libertação não abrirá mão de
recolocar-se em marcha e desbravar novos caminhos.
Imediatamente desafios estão postos. É muito provável que o governo
enverede pelo caminho da repressão às manifestações. Nosso povo reagirá. A
ilegitimidade do governo é a sua marca indelével. E nosso povo não tem o mau
costume de aceitar governos ilegítimos.
Amplos setores, entidades e partidos, como o PCdoB, já vinham levantando
a ideia de irmos a uma eleição direta para presidente da República,
antecipando-se as eleições de 2018. Os mecanismos para se viabilizar essa
antecipação deveriam ser buscados, a exemplo do plebiscito que se levantava.
A eleição direta para presidente não se efetivou. Sua convocação, com
direitos políticos assegurados, poderia nos levar ao reencontro com a
democracia e a legitimidade do poder seria restaurada.
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