Regularização fundiária para quem?
Luciano Siqueira, no Blog da Folha
Vivemos um tempo em que a tergiversação é arma de elevado poder ofensivo, porque reverberada por poderosas mídias, quando se quer defender privilégios e subtrair direitos.
Luciano Siqueira, no Blog da Folha
Vivemos um tempo em que a tergiversação é arma de elevado poder ofensivo, porque reverberada por poderosas mídias, quando se quer defender privilégios e subtrair direitos.
O mote
invariavelmente é algo que a todos incomoda – a burocracia estatal, por
exemplo.
Quem
não reclama dos processos lentos, complicados e muitas vezes mediados pela
figura do despachante para resolver algo relativamente simples, nas relações
entre o cidadão e os órgãos públicos?
Daí a
roupagem da desburocratizarão via de regra servir de glacê para um bolo
indigesto aos que vivem do seu trabalho e não gozam de benesses.
Mesma lógica
do “impostômetro”, patrocinado pelos que muito ganham e pouco pagam e se
recusam a fazer também um “jurômetro”, porque se beneficiam da ciranda
financeira.
É o que
acontece agora quando, desde dezembro, o ilegítimo presidente da República Michel
Temer encaminhou ao Congresso Nacional a Medida Provisória 759, destinada,
entre outros objetivos, a "desburocratizar" a regularização fundiária
rural e urbana.
Nada
mais falso!
O que a
MP 759 pretende, isto sim, é atropelar os processos de desapropriação passando
por cima de dispositivos legais essenciais em defesa dos que ocupam terras
antes devolutas, no campo; e nas cidades, extensas e inúmeras áreas de ocupação
"irregular", em decorrência da rápida urbanização verificada em nosso
país.
Pois a
Constituição Federal, em seu artigo 6º, assegura um rol de procedimentos jurídicos, urbanísticos,
ambientais e sociais destinados a regularizar assentamentos considerados irregulares
e o emitir o título de posso dos seus ocupantes. Em consonância com o caráter
social da propriedade territorial urbana e o direito à sustentabilidade
ambiental.
Numa apreciação mais atenta, a MP 759 rompe com o texto
constitucional, pois adota dispositivos que, na prática, anulam critérios que garantem o
interesse social e favorecem aos detentores de capital.
Assim,
suprime o tratamento especial às áreas de interesse social por parte do Poder
Público, inclusive o dever público de investir em infraestrutura e na
requalificação urbanística das áreas, para assegurar condições de
habitabilidade.
Em assentamentos
“subnormais” (para usar uma expressão muito cara a alguns estudiosos), o
licenciamento ambiental há de ser sempre diferenciado quando do processo de
regularização fundiária. A MP 759 anula esse tratamento diferenciado, impondo
restrições legais, portanto, prejudiciais à população dessas áreas.
Por
outro lado, extingue a obrigatoriedade dos loteadores irregulares e grileiros
de terras públicas a providenciarem medidas corretivas, transferindo ao poder
público essa responsabilidade.
A matéria
é complexa, o texto da MP longo e detalhado. Esse breve registro pergunta:
desburocratizar para quem?
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