Soberania
seletiva e desfocada
Haroldo Lima, portal
Vermelho
O
general Villas Boas defendeu a “soberania brasileira” em meio a esses
criminosos desmatamentos e queimadas na floresta amazônica. Foi bom que o
ex-comandante do Exército tenha falado nesse assunto, porque, pelo menos
aparentemente, verifica-se que a soberania não é uma bandeira apenas da
esquerda brasileira. O general mostrou-se preocupado com ela. Pena que a
soberania que defendeu foi seletiva e desfocada.
Afinal,
depois de tudo que nos tem acontecido, o general só enxergou ameaça à soberania
nesse caso da Amazônia? E no mais, está tudo bem? E quem mais nos ameaça é a
França?
Na
história de nosso país, a defesa da soberania brasileira feita por militares
não era coisa episódica, nem seletiva, nem desfocada. Na construção da nossa
Nação, foi significativa a presença dos fardados.
A
Petrobras, talvez a conquista mais simbólica de nosso empenho por uma Nação
soberana, surgiu após a campanha “O Petróleo é Nosso”. Essa campanha, contudo,
foi dirigida pelo Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia
Nacional, (CEDPEN), fundado em 1948, por civis como Artur Bernardes, Di
Cavalcanti, Oscar Niemeyer, e por militares como o general Horta Barbosa. Seu
presidente foi o general Felicíssimo Cardoso, conhecido como “o general do
petróleo” – que, certo dia, ao responder em Copacabana a uma pesquisa,
qualificou-se como “general e comunista”.
Um
anticomunista declarado, o marechal Teixeira Lott, também defendeu a Petrobras
em outra
oportunidade. Quando o secretárioz de Estado americano John Foster
Dulles veio ao Brasil discutir mudanças na Petrobras, Lott fez estampar nas
manchetes dos jornais seu dístico famoso: “A Petrobras é intocável”. E Foster
Dulles foi embora.
Em
vários outros momentos civis e militares se juntaram para lançar os alicerces
da Nação soberana que queriam construir. Surgiram assim, no terreno da defesa,
a Embraer, envolvendo a Aeronáutica; o projeto do submarino de propulsão
nuclear, capitaneado pela Marinha; o sistema de monitoramento de fronteiras; e
outros, sob direção do Exército.
Na
educação, ampliou-se o ensino em geral, cresceram as universidades e as
pesquisas, inclusive histórica, antropológica e sociológica, indispensáveis à
formação de uma consciência nacional.
Na
engenharia, desenvolveram-se grandes empresas, executoras de grandes obras do
Estado, da Petrobras e da Eletrobras. A excelência a que chegaram foi tal que
praticamente não perdiam concorrências no Brasil para empresas estrangeiras e
ganhavam licitações importantes no exterior.
No
concerto das Nações, a política externa brasileira, independente e soberana,
levou o Brasil a uma respeitabilidade especial na América do Sul e até na busca
da solução de problemas em áreas candentes do mundo, como o Oriente Médio. Nas
articulações multilaterais, projetou-se o Brasil em grupos intercontinentais,
como o BRICS, e em escala continental, como o Mercosul.
Na
política ambiental, sintonizou-se nosso país com os grandes anseios ecológicos
que crescem no mundo, o que terminou trazendo para o Brasil a Conferência das
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio-92) e, 20 anos depois,
outra, do mesmo gênero, a Rio +20.
De
sorte que, quando todo esse arcabouço de um projeto de Nação soberana vem sendo
demolido estupida e inexoravelmente, chama a atenção que só agora o general Villas
Boas balbucie a palavra soberania.
A
Petrobras, que chegou a ser uma das grandes petroleiras do mundo, por ser
integrada e verticalizada e ter grandes reservas, perdeu seu caráter de empresa
energética com tentáculos em variados setores e vai sendo condenada a ser uma
empresa que apenas tira e vende petróleo. Sua privatização completa já é
discutida. O general Vilas Boas não vê nisso uma ameaça à soberania do Brasil?
A
Operação Lava Jato promoveu a liquidação do vasto setor de empresas de engenharia
de grandes obras do país, levando-o à “recuperação judicial”, esvaziando-o e
promovendo desemprego de funcionários técnicos bem remunerados. As portas do
país foram escancaradas às empresas estrangeiras do ramo, agora já sem
concorrentes nacionais à altura. E tudo isto foi feito pretextando combate à
corrupção. Mas será que a corrupção atingiu apenas as empresas brasileiras?
No
dia 17 de junho passado, o empresário João Carlos Saad, dono do Grupo
Bandeirantes, falando a outros empresários, responsabilizou a Lava Jato pela
“destruição de empresas nacionais” dizendo na oportunidade que “nenhuma das
empresas internacionais que se envolveu no escândalo da Petrobras ou em outros
escândalos foi destruída”. De fato, as “delações premiadas” citaram empresas brasileiras
e citaram também as Samsung, SBM Offshore, Maersk, Jurong, Kawasaki,
Mitsubishi, Mitsui, Toshiba, Rolls-Royce e outras. Que aconteceu com elas? As
brasileiras foram liquidadas e as estrangeiras estão aí, como se nada tivesse
acontecido. Por acaso isto não é a demonstração cabal de que a Lava Jato serviu
a um projeto de traição nacional?
Quando
se vê a investida que o desvairado ministro da educação faz ao sistema
educacional brasileiro, procurando desmontar as universidades brasileiras, não
será isto uma ameaça à formação de nossa identidade nacional, à nossa soberania?
Chegamos
aos fatos que põem hoje a Amazônia no centro das atenções do mundo.
Desde
sua campanha eleitoral, Bolsonaro investe contra o meio ambiente. Destila
impropérios absurdos contra tudo que fale em preservação ambiental. Entidades
sérias são fustigadas por divulgarem dados sobre aumento dos desmatamentos e
queimadas na Amazônia. Técnicos de reputação sãos demitidos. Política de
proteção a áreas indígenas são refutadas. Madeireiros incendiários são
incentivados.
Um
político que não conseguiu se eleger deputado federal por São Paulo e que em
sua derrotada campanha vociferou contra o meio ambiente foi indicado ministro
do Meio Ambiente. O desastre foi preparado. Até um “Dia do Fogo”, o dia 10 de
agosto, foi convocado pelo WhatsApp. Não deu outra, a floresta pegou fogo.
Setores
populacionais do Brasil e de diversos países se movimentaram. Governantes
também. O presidente francês revelou que Bolsonaro mentiu para ele dizendo-se defensor
de políticas
ambientais, e fez alusões que o general Villas Boas viu como
“ataque à soberania brasileira”.
Sem
dúvida, devemos ficar atentos a toda e qualquer ataque. Mas nossa soberania
sobre a Amazônia não nos dá direito a incendiá-la, nem a sermos coniventes com
incêndios provocados por marginais madeireiros que, ante o governo Bolsonaro,
se acharam no direito de promover um “Dia do Fogo”.
Isto fragiliza nossa
soberania sobre a Amazônia e abre caminho para ingerências de diversos tipos.
De
qualquer forma, uma coisa deve ficar meridianamente clara. Todos os que de fato
defendem e lutam pela soberania brasileira em todos os terrenos devem saber que
a ameaça histórica e atual que nos aflige – na Amazônia, na Petrobras, na
engenharia de grandes obras, na educação desnacionalizante, nos nossos grandes
projetos de defesa, na tentativa antiga de transformar nossas forças armadas em
forças de combate ao narcotráfico, no aviltamento de nossa política externa –,
todas essas ameaças procedem, não da França, nem da Holanda, nem da Irlanda,
nem de quem quer que seja, mas dos Estados Unidos.
Defender
a soberania contra os outros é desviar a atenção do nosso alvo principal e
desfocar nossa defesa.
* Haroldo
Lima, engenheiro, foi diretor geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis (ANP). É membro da Comissão Política Nacional do
PCdoB
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