A palavra do coprófilo
Janio de
Freitas, Folha de S. Paulo
"O Brasil está sem dinheiro / os ministros estão apavorados
/ estamos aqui tentando sobreviver". Dessa vez
Jair Bolsonaro não
mentiu, mas não é bem como disse. O Brasil está sem dinheiro porque está sem
governo. E sem governo não há país que sobreviva como algo que seja ainda
considerado país.
Faltam dinheiro e governo porque, com a produção industrial em
queda contínua, o comércio em queda, queda até nos serviços e o crescente
desemprego, a arrecadação de impostos e outras contribuições não alcança o
mínimo necessário. Colapso a que Paulo Guedes, Bolsonaro e os militares
retornados assistem com indiferença imobilizadora há quase nove meses. A
solução que Guedes pesca em sua perplexidade é o seu apelo por dois ou três anos
de paciência.
Em economia não existe o conceito de paciência. Na vida dos
países, muito menos.
Muito diferente foi o assegurado aos eleitores na campanha, pelo
candidato, por Guedes, por consultorias e jornalistas do apoio a Bolsonaro.
Durante meses, ouviu-se que já neste primeiro ano de governo o crescimento
econômico seria de 3%, se não mais. Desde o primeiro mês de 2019, no entanto,
as previsões foram submetidas a sucessivos cortes mensais. Ainda a quatro meses
e meio do fim de ano, já estão em 0,8% ou menos, havendo quem admita 0% no
final.
Esse resultado às avessas não se explica pelo mau legado de
Henrique Meirelles e Temer, que,
de fato, nada fizeram pela reativação da economia. Era por haver conhecimento
geral daquela insanidade que o bolsonarismo buscava seduzir com os prometidos
3% de crescimento já. Além do golpe da internet, portanto, o estelionato
eleitoral, na expressão criada por Delfim Netto.
Dois momentos da realidade devem ficar registrados. Um é que o
problema econômico se apresenta em 2015, com a campanha aberta pelo derrotado
Aécio Neves contra os esforços de Joaquim Levy e Dilma Rousseff para controlar
os passos da economia. A campanha se transformaria no
impeachment e transformaria a situação vivida pelo país desde
2004.
Outro ponto a ficar bem registrado é que o pressentido tumulto
recessivo na economia global, originado do governo Trump, não poderá ser
responsabilizado por coisa alguma no Brasil. Se vier, encontrará o país já em
estado de coma --hoje mesmo à vista de quem quiser notá-la. Não é à toa que o
turista Bolsonaro se entrega a cafonices e leviandades todos os dias, para desviar
atenções. Nem que Paulo Guedes volte a propor a
venda da Petrobras, fazer um dinheirão, usá-lo como se fossem
os recursos adequados e deixar o país outra vez em coma quando o dinheirão
acabar —ainda antes da eleição presidencial.
São agora quatro anos de aumento da tragédia brasileira chamada
pelo eufemismo de "desigualdade social ou econômica". A remuneração
do trabalho caiu mais de 18%, em valores reais, para os que integram os 50% da
miséria, da pobreza e do arremedo de classe média baixa. A derrocada não
significou nada para Temer e Meirelles, em seu primeiro período, como
indiferente é o segundo para Bolsonaro e Guedes. Porque, a tranquilizá-los e
protegê-los, a renda do 1% mais rico subiu, no mesmo período, 9,5%.
Levantamento imprudente da Fundação Getulio Vargas que confraterniza com a soma
(parcial) de 13 milhões sem o emprego procurado.
Nenhum desses dados e assuntos esteve próximo dos escolhidos por
Bolsonaro em sua safra atual de dejetos mentais. A preferência foi pelas fezes, citadas inúmeras
vezes por meros anseios de uma coprofilia que, aliás, lhe fica
bem.
Hospitais, universidades, bolsas de estudo, pesquisas
científicas, setores importantes em geral sofrem mutilações letais em seus
recursos orçamentários porque "o Brasil não tem mais dinheiro".
Penúria que não impediu Bolsonaro de conceder R$ 3 bilhões, com a solidariedade
de seus ministros civis e militares, no compra-e-vende para os deputados
aprovarem a "reforma" arrochante da Previdência.
[Ilustração: LS]
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