Jerusa
Viecelli, o ponto fora da curva da Lava Jato
Luis Nassif,
Jornal GGN
A
divulgação dos diálogos dos procuradores da Lava Jato pelo The Intercept cometeu
apenas uma injustiça: a procuradora Jerusa Viecelli – a única que pediu
desculpas pelas menções às perdas de Lula – é um ponto fora da curva na
operação. É feita de outra matéria moral.
Na véspera das eleições de 2018, sugeriu ao grupo um comunicado
coletivo, distanciando-se das candidaturas, especialmente de Jair Bolsonaro. O
apelo ficou no vazio. Nenhum dos seus colegas abriu mão da torcida por Jair
Bolsonaro.
Ele
escreveu, então, um artigo solitário, publicado no El País,
com considerações sobre o momento e com dez recomendações. São elas:
1.
Defender a ampla liberdade de
expressão e de imprensa, assim como o diálogo e pluralismo, que são essenciais
à democracia e ao combate à corrupção;
2.
Defender a ampla liberdade de
associação e de funcionamento de entidades da sociedade civil organizada, especialmente
a atuação no país de entidades nacionais e internacionais de controle social de
gastos públicos e de combate à corrupção;
3.
Defender a Constituição Federal
de 1988 e garantir a independência da atuação do Poder Judiciário, impedindo a
criação de assembleia constituinte, de comissão constituinte ou de novas
cadeiras no Supremo Tribunal
Federal;
4.
Defender as instituições
democráticas, promover eleições limpas, respeitar a atuação da Justiça Eleitorale suas decisões, reconhecer a
legitimidade de mecanismos democráticos de oposição e crítica política e
repudiar a violência e práticas discriminatórias na ação política, aspectos que
favorecem a denúncia de práticas corruptas;
5.
Garantir a independência da Procuradoria-Geral
da República, escolhendo o futuro procurador-geral a partir de lista
tríplice elaborada pelo próprio Ministério Público;
6.
Garantir a independência do Poder
Judiciário e do Ministério Público, impedindo sua asfixia orçamentária ou a
aprovação de projetos de lei que amordacem seus membros ou restrinjam a
independência de sua atuação por meio de expedientes tais como a edição de uma
lei de abuso de autoridade que estabeleça crimes sobre a interpretação de fatos
ou do direito;
7.
Garantir a continuidade da
atuação impessoal contra a corrupção, em igual ou maior intensidade, da
Controladoria-Geral da União, da Advocacia-Geral da União e das Polícias da
União;
8.
Defender os direitos humanos e
promover a repressão aos crimes de ódio, o que é fundamental inclusive para
criar um ambiente favorável à denúncia e apuração de práticas corruptas;
9.
Defender a execução provisória da
pena após confirmação da condenação em segunda instância, essencial para que as
investigações e processos promovam justiça, na Lava Jato e outros grandes casos
de corrupção.
É fundamental que cada
eleitor reconheça em seus candidatos valores capazes de promover o avanço
democrático no país. Bravatas e discursos retóricos não são garantias, ao
contrário, são muitas vezes ameaças. O voto é o mais importante mecanismo de
escolha e decisão sobre o país que desejamos ser e a esperança de que o
Ministério Público possa continuar contribuindo para a sociedade no exercício
pleno, técnico, imparcial e independente de suas atribuições constitucionais.
Pena que fosse uma voz solitária no mundo devasso,
pornograficamente violento, em que se transformou a Lava Jato.
Seu pedido de desculpas não surpreendeu as pessoas que a
conhecem. Nem as imprecações que sofreu dos colegas, por ter colocado uma
pitada de humanidade em uma horda de selvagens.
Como Deltan Dallagnol reconheceu, na entrevista à BBC
Internacional, a mancha desse diálogo acompanhará para sempre as pessoas vis
que zombaram da morte. Mas que se ressalve que, dentre eles, havia uma pessoa
digna.
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