Xadrez do Pibinho e o
futuro desenhado por Guedes e Bolsonaro
Dificilmente as expectativas empresariais
resistirão ao anúncio de um PIB de 1,1%. Já havia caído a ficha do próprio
Bolsonaro, quando deixou vazar a informação de que havia um prazo para Guedes
apresentar resultados.
Luis Nassif,
Jornal GGN
Peça 1 – a teoria do choque
O Ministro da Economia
Paulo Guedes apertou o botão de pânico, quando anunciou ter 15 semanas para
“salvar o Brasil”. Empregou pela última vez a retórica das reformas como boia
de salvação, típica de economistas sem a mínima noção sobre a gestão de política
econômica. E se deu conta de que acabou o prazo batizado pela Escola de Chicago
de “teoria do choque”.
Consiste no seguinte:
1.
Sempre que há um choque interno qualquer em um país, há uma
desestruturação do sistema político e das formas de organização da sociedade.
Por choque entenda-se desde choques econômicos até políticos, como golpes de
Estado.
2.
A perda de rumo geral abre espaço para a apresentação de
fórmulas mágicas, liberais. A população aceita as perdas decorrentes dessa
reforma, na esperança de que abram novas perspectivas.
3.
A eleição de Bolsonaro consistiu no segundo tempo de um choque
que começou com o impeachment.
Agora, esse tempo começa
a esgotar.
Peça 2 – o funcionamento da economia
A economia opera com
quatro fontes de demanda:
1.
Gastos das famílias.
2.
Gastos do governo
3.
Gastos das empresas
4.
Demanda externa.
Vamos tentar entender, bem esquematicamente, o funcionamento
dessa máquina.
Analisando
as correlações:
1. Gastos
do governo alimentam a demanda das empresas e famílias, não apenas nos
investimentos – que aquecem a cadeia dos fornecedores -, como serviços
públicos.
2. No
caso das famílias, os gastos públicos têm impacto no emprego-renda e na
economia doméstica. Se a saúde não funciona, as famílias adoecem, por falta de
atendimento, ou terão que gastar com atendimento pago. O mesmo ocorre na
educação e outros serviços públicos. Além disso, são fatores que afetam o bem
estar das famílias e, portanto, têm consequências políticas.
Os
cabeças de planilha, economistas com visão estritamente financeira da economia,
sem conhecimento maior sobre como azeitar essa engrenagem, concentram toda sua
esperança naquele círculo entre demanda e gastos de empresas: as expectativas.
Seu
esquema de trabalho é assim:
1. O
empresário vai investir se tiver expectativa favorável.
2. O
único fator de expectativa que impacta empresário é o equilíbrio fiscal.
3. A
única maneira de conseguir equilíbrio fiscal é através do corte de despesas e
de reformas.
Como
não tem a menor noção sobre as operações de política econômica, e o
funcionamento do mundo real, recorrem à palavra mágica: reformas. Só isso.
Abandonam estímulos à indústria, gastos com saúde, tecnologia, educação,
infraestrutura e concentram tudo nas reformas.
Mais
que isso, eles recorrem à chamada falsa identidade. Analisam a riqueza do país
e dividem entre setor público e privado. E supõe que, retirando o setor
público, a riqueza continuará a mesma e será ocupada pelo setor privado.
Simples assim. Em qualquer economia de mercado, despesa do setor público
significa demanda do setor privado.
Ora, o empresário vai investir se houver demanda no presente e
expectativa favorável de demanda no futuro. E essa expectativa não depende
apenas da higidez fiscal, mas da certeza de que a economia vai crescer, mais empregos
serão gerados, haverá mais renda das famílias para consumo.
Além disso, equilíbrio
fiscal depende também do aumento da receita. E aumento da receita depende de
crescimento.
Peça 3 – a relação gastos púbico x receita
privada
Ora, gasto público impacta
positivamente a receita privada e ajuda a gerar emprego, crescimento do PIB e,
consequentemente, crescimento da receita fiscal. Ou seja, aumento do gasto
público permite atingir o equilíbrio fiscal se o aumento da receita
fiscal, dali decorrente, for maior do que o nível de gastos.
Em outras palavras: se
gasto 100 e esse gasto estimula a economia a tal ponto que a receita fiscal
aumenta 120, estou no melhor dos mundos.
O desafio consiste em
acertar essa medida. Se a despesa crescer de forma desproporcionalmente maior
que seu impacto no aumento do PIB – e das receitas fiscais – o caldo entorna.
Foi o que ocorreu no festival Guido Mantega de subsídios. No entanto, se deprimo
o gasto público sem nenhuma preocupação com os impactos no setor privado e nas
famílias, a economia não cresce e não conseguirei segurar as expectativas dos
empresários.
É o que está ocorrendo no festival continuado de mercadismo dos
cabeças de planilha, através de Joaquim Levy, Henrique Meirelles e Paulo
Guedes, com a ajuda valiosa do Congresso, que criou a tal Lei do Teto,
amarrando em todas as pontas as despesas públicas.
Criou-se um terraplanismo ideológico dos mais nefastos da
história do Brasil.
Como foi celebrado por
algum Weintraub econômico da equipe de Guedes, “conseguimos reduzir o Estado”.
Isto é, no PIB ridículo de 2019, a queda da contribuição do Estado foi maior do
que o do setor privado. Um despencou; o outro, despencou menos.
Reparem que eles não têm
a menor informação (ou interesse) sobre a correlação entre gasto público e
demanda privada. Não conseguem entender que o desempenho pífio do setor privado
tem relação direta com o corte drástico das despesas públicas.
Tanto assim que, nos
primeiros meses à frente do Banco Central, Roberto Campos, o neto, deu uma
declaração se dizendo surpreso com a “dependência” do setor privado em relação
aos gastos públicos. Anunciou até a criação de um grupo de trabalho para
estudar o “fenômeno”. Bastava consultar os dados do IBGE que mostrariam que a
economia brasileira é exatamente igual a de qualquer outra economia de mercado,
com ligação direta entre gastos públicos e receita privada.
Peça 4 – o fim do sonho
De Meirelles-Temer a
Guedes-Bolsonaro, os empresários viveram de ilusão. Basta a reforma
trabalhista, para todos os empregos serem gerados. Ah, não, perdão, faltaram
outras. Mas agora, com a reforma da Previdência, haverá um pote no final do
arco-íris. Não deu certo? É porque faltam a reforma administrativa e a fiscal.
E tome carnaval em cima de estatísticas falsas, como a da Alshop, e da
celebração macabra de qualquer melhora mínima nos indicadores. Tipo, o emprego
estava em 100, caiu para 80, mas no mês passado subiu para 81: alvíssaras!, é o
começo da recuperação. E no mês seguinte, voltava para 80 de novo.
E assim vai, e assim foi. A crise foi trágica e não escapou nem
a demanda externa, com as exportações brasileiras sendo cada vez menos
intensidade tecnológica e, por consequência, cada vez menos geradora de emprego
e renda.
As consequências são trágicas e estão à vista de todos. Com a
divulgação do Pibinho de 1,1%, não tem maia que segure mais as expectativas
empresariais.
O corte draconiano de
despesas quebrou as pernas da economia – daí o Pibinho – e acendeu o fogo no
caldeirão da política. Ah, esqueci que na planilha dos cabeções não existe a
variável política, opinião pública etc. E na cabeça dos seus colegas, terraplanistas,
opinião pública é o que sai no Twitter e no WhatsApp.
Ainda conseguiram
segurar um pouco a queda com liberação de FGTS, PIS-Pasep e aumento do
endividamento – mas sem tocar no custo do dinheiro. Com tudo isso, chegou-se ao
Pibinho ridículo de 1,1%. Mas com a certeza dos ignaros e dos malandros, que
daqui para frente tudo será diferente.
Peça 5 – as consequências
Dificilmente as
expectativas empresariais resistirão ao anúncio de um PIB de 1,1%. Já havia
caído a ficha do próprio Bolsonaro, quando deixou vazar a informação de que
havia um prazo para Guedes apresentar resultados.
Por outro lado, há um
acirramento cada vez maior na opinião pública, com a falta de expectativas
econômicas e as provocações permanentes de Bolsonaro, além do estímulo à rebelião
das PMs. Do lado da população, abandono das famílias no Bolsa Família, nas
filhas da Previdência, na uberização.
Os próximos meses serão
emocionantes e quem tiver certeza sobre o que ocorrerá, estará mentindo. O país
enfrentará momentos decisivos tendo na presidência uma pessoa violenta, acuada
e ligada às milicias privadas e públicas
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