Falta de saneamento básico –
este, sim – é o maior problema ambiental do Planeta
Portal
Vermelho
Em meio à rápida disseminação da
pandemia causada pelo coronavírus Sars-CoV-2 (Covid-19), espalha-se com rapidez
não menor a percepção de que, à parte as tragédias humanas que se multiplicam,
a grande vítima da pandemia está sendo a famigerada “globalização financeira”.
De fato, os seus principais pilares estão demonstrando a
sua disfuncionalidade diante de uma situação de emergência global – a
transferência maciça de linhas produtivas para países com mão de obra barata, a
primazia absoluta dos interesses da alta finança na determinação das políticas
públicas e, principalmente, a ideologia do “Estado mínimo”. Esta última,
corolário do conceito de que os “mercados” constituem as forças motrizes das
economias e, por conseguinte, deveriam sofrer o mínimo possível de interferências
por parte dos obsoletos, paquidérmicos e naturalmente corruptos Estados
nacionais.
Tudo isso está vindo abaixo, à medida
que o coronavírus se espalha por todos os continentes, com exceção da
Antártica. Mas, em meio a essa derrocada ideológica, destaca-se a visível
obsolescência do mito central que perpassa todos aqueles conceitos, o da
“escassez de recursos”, sobre o qual se baseiam tanto a chamada Escola Clássica
de pensamento econômico, atualizada no neoliberalismo “globalizado”, como a
ideologia neomalthusiana que alimenta o movimento ambientalista internacional e
sua ideia-força, a de que as limitações de recursos naturais e ambientais
impediriam a extensão a todo o mundo dos níveis de vida e bem-estar atingidos
pelos países industrializados.
De uma hora para outra, diante do peso da realidade, a
“escassez de recursos” se mostra como uma mera invencionice, refletida na ideia
de que o dinheiro (ou crédito) seria um recurso “escasso”, cuja geração e
gerenciamento deveriam ser feitos apenas pelos sacrossantos “mercados”,
teoricamente eficientes e infalíveis.
Simplificando ao extremo, é como se o
dinheiro fosse um recurso natural raro e encontrado apenas nas profundezas da
crosta terrestre, em vez de ser nada mais que um meio de troca, cuja emissão
deveria ser confiada estritamente aos governos nacionais, em vez de ao
consórcio de bancos centrais privados e semiprivados que têm dado as cartas nas
finanças globais, trabalhando quase exclusivamente em benefício de um sistema
financeiro terminalmente disfuncional e desacoplado da economia produtiva real.
Diante da pandemia, de repente,
recursos públicos que eram “escassos” na véspera, passaram a ser prontamente
disponibilizados para o combate à crise sanitária e socioeconômica mais grave
em décadas. Regras radicais de “austeridade” financeira, que beneficiavam
apenas aos especuladores com títulos de dívida pública, foram suplantadas pela
necessidade de atendimento às vítimas diretas e indiretas da pandemia.
Na França, o presidente Emmanuel Macron, ex-funcionário da
casa bancária Rothschild, anunciou um plano de ajuda de 300 bilhões de euros e
afirma que “nenhuma empresa irá falir”, sendo complementado pelo ministro da
Fazenda Bruno Le Maire, segundo o qual, se preciso, empresas importantes
poderão ser até mesmo temporariamente nacionalizadas.
O Reino Unido, pátria-mãe do
liberalismo econômico, comprometeu-se com um pacote de 330 bilhões de libras
esterlinas em empréstimos públicos, quantia equivalente a 15% do PIB, além de
20 bilhões de libras em outros incentivos diretos.
Nos EUA, o presidente Donald Trump
pediu ao Congresso a liberação de U$ 500 bilhões, como parte de um plano de US$
1 trilhão, para pagamentos diretos a cada cidadão estadunidense, com o intuito
de mitigar os efeitos da crise.
Até mesmo no Brasil, cerceado pela ideologia ultraliberal
do superministro Paulo Guedes, o governo já foi forçado a admitir que os
efeitos sanitários e socioeconômicos da crise não poderão ser mitigados sem
recursos públicos.
Em essência, foram décadas de
entronização dos mercados financeiros “globalizados” como as forças motrizes da
economia mundial, além da depreciação acadêmica, política e propagandística das
atribuições dos Estados nacionais soberanos. Agora, eis que surge uma
emergência global autêntica, a exigir respostas imediatas para a proteção das
populações, demonstrando de forma cabal que o velho, testado e consagrado
Estado nacional continua sendo a instituição insubstituível para organizar e
cuidar da vida e do bem-estar das sociedades humanas, maximizando as energias
criativas das populações e as capacidades econômicas da iniciativa privada.
Dificilmente essa constatação poderá
ser revertida após o término da emergência sanitária global, pois os efeitos da
emergência socioeconômica ainda se manterão por meses a fio, exigindo dos
Estados nacionais níveis de mobilização pelo menos idênticos aos necessários ao
enfrentamento do coronavírus, além de uma ativa cooperação entre eles, na
esfera internacional.
Nesse contexto de reconstrução socioeconômica global, os
conceitos de dinheiro e crédito terão que ser profundamente revistos, para se
evitar que, em vez de meios de troca e fomento às atividades produtivas, voltem
a ser objetos de um comércio privilegiado por parte dos agentes da alta finança
“globalizada”.
Por exemplo, no caso do Brasil, uma
iniciativa crucial para o período pós-emergencial, de enorme alcance
socioeconômico, seria a implantação de um vasto plano nacional de modernização
e ampliação da infraestrutura de saneamento, que teria efeitos imediatos na recuperação
econômica do País, mobilizando recursos humanos, técnicos e físicos hoje
grandemente subutilizados, e na melhoria dos indicadores de saúde pública, de
rápido retorno para a própria economia. Como meta, poder-se-ia estabelecer um
prazo de dez anos para se “zerar” o déficit nacional de saneamento,
perfeitamente ao alcance da engenharia brasileira. Os recursos para a fase
inicial da empreitada poderiam vir do BNDES e, se preciso, o governo federal
poderia lançar no mercado títulos atrelados a esses e outros projetos de
infraestrutura, em uma mais que necessária reorientação dos investimentos
privados para as atividades produtivas e geradoras de valores.
Até há algumas semanas, tal proposta
seria recebida com desdém por muitos; em alguns meses, porém, estaremos vivendo
num mundo pós-coronavírus, com uma nova percepção da realidade, e nada melhor
do que colocá-la ao serviço do bem-estar geral da Nação, atendendo a uma das
suas maiores necessidades (haja visto o temor generalizado da devastação
potencial que a Covid-19 poderá fazer nas favelas das grandes cidades
brasileiras).
Da mesma forma, algumas considerações
são mais que relevantes, em relação à prevalência do mito da “escassez” de
recursos naturais. Limitando-nos apenas aos alimentos, água, materiais e
energia, convém observar:
1) Alimentos: desde
há muito, embora seus adeptos ainda sejam numerosos, o mito malthusiano da
falta de alimentos para uma população da ordem de 10 bilhões de pessoas, que o
mundo deverá atingir até meados do século, não se sustenta. Hoje, com as terras
cultiváveis e as tecnologias disponíveis, seria possível alimentar uma
população de 12 bilhões, em níveis europeus de consumo de calorias e proteínas,
bem superior aos atuais 7,7 bilhões de habitantes do Planeta. Se cerca de 1 bilhão
de pessoas, principalmente na África Subsaariana, ainda acorda todos os dias
sem saber se conseguirão alimentar-se, isto não se deve a qualquer “escassez”
de alimentos, mas ao subdesenvolvimento, obstáculo que não tem nada a ver com
limites físicos.
2) Água: ambientalistas radicais – e
seus patrocinadores interessados na privatização dos recursos hídricos – têm
apresentado um estudo após outro sobre uma suposta limitação da disponibilidade
de água, nas próximas décadas. Ora, o problema da água não é o da sua
indisponibilidade física, mas a poluição dos corpos líquidos, pelo lançamento
de todo tipo de materiais descartados e, principalmente, pela poluição, cuja
fonte principal é o esgoto não tratado – leia-se falta de saneamento básico,
este sim, o maior problema ambiental do Planeta.
3) Materiais: a ciência e as
tecnologias dos novos materiais têm avançado a passos largos, abrindo a
possibilidade de substituição parcial ou total de uma vasta gama de materiais
hoje diretamente extraídos da natureza. Os smartphones proporcionam um
exemplo direto: imagine-se a quantidade de metais, plástico, vidro e outros
materiais que esses pequenos aparelhos economizam, ao substituir dúzias de
outros aparelhos e equipamentos – câmeras fotográficas, filmadoras, gravadores,
localizadores GPS, mapas, metrônomos, videojogos, lanternas e muitos outros. Em
centros de pesquisa de todo o mundo, estão em desenvolvimento substitutos
sintéticos para a madeira, cimento, materiais de construção e outros materiais,
cuja disponibilidade, no futuro próximo, deverá abrir numerosas novas áreas de
atividades econômicas. Isto, para não mencionar as vastíssimas possibilidades
da nanotecnologia.
4) Energia: a
necessidade de redução das desigualdades mundiais passa, necessariamente, por
um significativo aumento do consumo per capita de eletricidade entre
as populações mais pobres do Planeta, sobretudo, na Ásia, África, América
Latina e Caribe. Grosso modo, será preciso multiplicar tais níveis de consumo,
pelo menos, por um fator de três ou quatro. Além disto, é preciso considerar o
aumento exigido pelas economias rapidamente emergentes, a começar pela China.
Parece evidente que esta empreitada
não poderá ser confiada às fontes termelétricas dependentes de combustíveis
fósseis, que respondem hoje por dois terços da eletricidade gerada no Planeta.
Da mesma forma, não se poderá contar com as fontes ditas alternativas ou
renováveis, em especial, a eólica e a solar, pelas deficiências conhecidas de
geração irregular e baixa densidade energética. Restam as fontes hidrelétricas,
cujas possibilidades são restringidas pela disponibilidade de locais adequados,
a energia nuclear e fontes avançadas que estão em desenvolvimento – fusão
nuclear, fusão a frio, etc.
Alguns destes projetos poderão começar a entrar em uso
comercial já ao longo da década de 2020, embora os combustíveis fósseis deverão
manter a sua hegemonia, pelo menos, até meados do século. De qualquer modo,
também, neste quesito, as limitações não são físicas, mas, principalmente, de
uma nova visão das possibilidades humanas, que poderá ficar evidente quando as
amarras ideológicas da “escassez” forem desatadas. (Fonte: Alerta
Científico e Ambiental, via Bonifácio)
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