05 julho 2020

Superexploração disfarçada


Esse tal de home office
Cícero Belmar*

O “gênio” que infectou o mundo com a ideia do home office, com certeza, acendeu uma vela para o diabo e a outra para o diabo, também. Isso ficou óbvio nessa pandemia. É verdade que a modalidade de trabalho garante maior produtividade, mas é mentira que promove qualidade de vida. É verdade que permite otimização e economia para as empresas, mas é uma mentira deslavada que o trabalhador termina se beneficiando e aproveitando mais o seu dia.
Começo esta crônica nesse tom pesado, mas não podia ser diferente. O meu amigo Alexandre Furtado é professor e escritor. Ele passa pela mesma situação que eu, nessa pandemia, de fazer trabalho em casa. Me ligou e disse: “Home office é a máscara do capitalismo”. Achei a frase perfeita. Esse tal de trabalho remoto, ou como queiram, é uma máscara, sim! No pior sentido, aquele do disfarce de propósitos.
Alexandre, assim como eu, somos vítimas dessa força de trabalho que virou moda desde que o isolamento social passou a ser regra. Constatamos que aproveitaram a pandemia para nos submeter a agressões aos Direitos Humanos. Andam dizendo por aí que home office é uma tendência das futuras relações de trabalho. Mas, a minha sensação é de que estamos fazendo o papel de ratinho de laboratório para a flexibilização da legislação trabalhista.
Por isso, concordo plenamente com meu amigo. É máscara do capitalismo, sim, máscara enquanto peça que se usa para encobrir as verdades de um rosto. O capitalismo nos vende uma imagem pegando carona no discurso de que a covid-19 vai nos exigir um novo normal. E que o home office seria um exemplo desse novo normal. Por isso, quando disserem a você que se trata de um estilo de trabalho legal, que evita o estresse do deslocamento, e que vai lhe permitir dedicar mais tempo à família ou a outras atividades, não acredite.
Num primeiro ponto a ser considerado, trabalhar em casa não significa estar à disposição do empregador a qualquer hora. Mas, é o que está acontecendo. A inexistência de controle de jornada não significa, contudo, a inexistência de jornada. Esse é apenas um dos problemas, pois através do teletrabalho perde-se a noção da hora. E as tarefas se prolongam. Enquanto a pandemia não terminar, nossos problemas também não.
Problema número dois: parece até que nos colocaram nessa história para aumentar a intensidade do serviço que realizamos. Estamos trabalhando sem políticas protetivas claras ou bem definidas. Nos jogaram nessa onda sem estarmos prontos para ela. Não estávamos preparados para este novo modelo de gestão e tivemos que engolir esse abuso de goela a baixo. E número três: trabalhamos para dedéu e não há um apontamento de hora extra.
Alexandre está coberto de razão. Existem máscaras e máscaras nesta pandemia. As que são eficazes para achatar a curva da transmissão do vírus são super recomendáveis. Devemos usá-las sempre que estivermos em público. Mas, home office é o disfarce sofisticado das classes dominantes para nos manter na senzala; e nós precisamos falar sobre isso.
*Cícero Belmar  é escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças de teatro e livros para crianças e jovens. Membro da Academia Pernambucana de Letras. 

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