Kassio
Nunes é portador de um silêncio valioso
Motivo real de
Bolsonaro para indicá-lo é grande incógnita
Janio de
Freitas, Folha de S. Paulo
O melhor a dizer sobre a indicação de novo integrante do Supremo
é se tratar de dupla incógnita. O desempenho no tribunal depende da
combinação de fatores como saber jurídico e orientação doutrinária, experiência
de vida, concepção de ordem social, e outros, todos permeados pela qualidade do
caráter. E nada disso se fez conhecido, de fato, na personalidade de Kassio
Nunes, o que ficou demonstrado na vaguidão dos metros de noticiário sobre o
personagem inesperado.
No caso, a
incógnita é menos ruim do que era conhecido e previsto. A especulação que ruiu,
ao fim de meses, dividia a preferência de Bolsonaro entre André Mendonça e
Jorge Oliveira. O primeiro atenderia à
escolha de alguém “terrivelmente evangélico”, qualificação que
sintetiza todo um conjunto de ideias planas e pedregosas anti-ideias. Ministro
da Justiça, apressou-se em reavivar a
ditatorial Lei de Segurança contra o articulista Hélio Schwartsman e
o cartunista Aroeira. Seria, pois, um magistrado terrivelmente previsível
—embora não o único.
Discreto
secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira chegaria ao tribunal com a
cicatriz indelével de membro do grupo palaciano. De um daqueles que endossam,
com seu passado e seu futuro, os desmandos de Bolsonaro e suas consequências
funestas. Não é incomum que ministros do Supremo aparentem despir-se de sua
origem política, e alguns o façam mesmo. Metamorfose, convenhamos, que não é
para qualquer um. E não era pressentida em
Jorge Oliveira, ao menos de modo absoluto.
A outra
incógnita na indicação de Kassio Nunes Marques é o motivo real de Bolsonaro
para adotá-lo. Porque foi indicado pelo
presidente do PP, para amarrar mais o centrão, como gesto de
afastamento do grupo ideológico, essas e outras especulações apenas preencheram
o vazio informativo.
Certo é que Bolsonaro e seu grupo
têm objetivos definidos que conflitam com vários preceitos da Constituição e
com inúmeras leis. Assuntos, quando não possam ser impostos como a
devastação ambiental, para interferência do Supremo. E Bolsonaro tem ainda os
problemas judiciais que ameaçam filhos, o próprio Bolsonaro e até a mulher,
todos sob risco de chegar ao Supremo.
Com tais expectativas, conhecer um desembargador na tarde de
uma quarta-feira, reencontrá-lo à noite em jantar de políticos na casa da
senadora Katia Abreu e, ali mesmo, anunciá-lo como sua indicação, convenhamos,
compõem um percurso inconvincente.
Mais
ainda, para fazer o que seria esperável de André Mendonça, Jorge Oliveira ou
João Otávio Noronha, Bolsonaro não precisaria de um neófito nas suas relações.
Kassio Nunes Marques é portador de um silêncio valioso.
A SERVIÇO
Ainda antes de se refazer da acusação de tentar distorcer investigações da Lava Jato, a procuradora Lindôra Araújo confirma sua disposição. Pediu ao Supremo que rejeite a denúncia contra o deputado Arthur Lira por corrupção.
A originalidade está em que
a acusação foi feita pela própria Lindôra Araújo, assegurando então
que “a investigação comprovou o repasse de propina ao parlamentar”. Agora a
procuradora acusa a mesma denúncia de “fragilidade probatória”. No intervalo,
Lira tornou-se bolsonarista de liderança no centrão.
Se
não punida por denúncia com falsa comprovação, Lindôra Araújo teria de sê-lo
por retirar denúncia com comprovação verdadeira. Mas talvez nem valha o
trabalho. Punição no Ministério Público Federal é ficção.
MAIS FOGUEIRAS
Discriminado
por muito tempo como escritor, Paulo Coelho acabou calando os detratores,
movidos a arrogância ou inveja, ou ambas. Volta a ser atacado. Livros seus são
queimados por bolsonaristas nas redes, servindo à informação de que
já chegamos também a esse estágio da boçalidade celebrado no nazismo. Parabéns
a Paulo Coelho.
DEMOLIÇÃO
Os negócios
sombrios do esquartejamento da Petrobras em mais um capítulo: agora autorizada
por pequena maioria de dois votos no Supremo, a Petrobras vai vender sem
licitação oito refinarias por R$ 8 bilhões. Valor que a operação
dessas empresas lhe daria e seguiria rendendo. O que está óbvio na existência
de pretendentes à compra.
Em
paralelo à venda “para fazer caixa”, a Petrobras está na iminência de adquirir
a parte da francesa Total em cinco áreas na foz do Amazonas. A Total sai porque
já houve quatro recusas de licença ambiental para a exploração da área.
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