Como o mercado de livros foi impactado pela
pandemia?
Vendas no digital e ações nas
redes sociais crescem, mas comércio físico deve se recuperar apenas em 2021
Thais Monteiro, Meio & mensagem
No início de
agosto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou uma das propostas da
reforma tributária do governo que acarretará no encarecimento de livros. A
sugestão é que o produto editorial deixe de ser isento e o setor colabore com a
nova Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota de 12%, já que foi
desonerado da contribuição do PIS e Cofins em 2004. A isenção de impostos sobre
materiais de leitura existe desde a Constituição Federal de 1946 e foi mantida
para incentivar a difusão do conhecimento.
Em
resposta à proposta de Guedes, associações da indústria formularam um Manifesto
em Defesa do Livro, que tem buscado assinaturas nos últimos dias pedindo a
reconsideração da medida ao Congresso Nacional. Na carta, as organizações
apontam que a isenção em 2004, inclusive, permitiu uma diminuição do valor
médio dos produtos e alavancada na venda de exemplares, e argumentam que o
livro é commodity da economia criativa e sua taxação torna o acesso à educação
mais elitista.
O documento é assinado pela ABDR (Associação Brasileira de
Direitos Reprográficos), ABDL (Associação Brasileira de Difusão do Livro), ABEU
(Associação Brasileira das Editoras Universitárias), Abrelivros (Associação
Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional), ANL
(Associação Nacional de Livrarias), CBL (Câmara Brasileira do Livro), Libre
(Liga Brasileira de Editoras) e SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de
Livros).
A mudança na tributação, adicionada à crise econômica impulsionada
pela pandemia, aumenta consideravelmente os desafios das livrarias,
distribuidoras e editoras em se manter viáveis. Um levantamento feito pelo
portal G1 com as associações e livrarias em julho aponta que as livrarias estão
reabrindo com vendas 70% menores do que o habitual. Dados do SNEL apontam que o
volume de vendas entre 29 de fevereiro e 24 de março deste ano caiu 4% e
atribui a queda à pandemia. Ainda em junho, a Saraiva fechou 14 unidades, com
prejuízo de R$ 17,3 milhões.
Se o imposto vier,
fica por tempo indeterminado — uma vez valendo, é uma luta constante para rever
a medida. A pandemia, nós esperamos que acabe. É uma tragédia para todos e,
principalmente para o leitor. Se a PEC passa, o preço médio dos livros pode aumentar
em 20%. Temos que tornar o livro acessível a preço justo para todos. Deveria
ser considerado mais um item na cesta básica. Se onerarmos, vai ser uma
tragédia sem precedentes para o mercado”, afirma Vitor Tavares, presidente da
CBL.
Se, por um lado, o início do período de isolamento social contribuiu
para a diminuição das vendas, por outro, mais tempo em casa e a falta de outras
atividades sociais pode ter contribuído para uma melhora no hábito de leitura,
argumenta o site Submarino. “As pessoas estão aproveitando este momento de
isolamento social para desenvolver o hábito de ler. Essa mudança de
comportamento trouxe uma busca por mais opções de títulos e gêneros
literários”, pontua a empresa. A situação ressoou na Saraiva. “Sofremos com uma
pequena queda em vendas em março, porém, a partir de abril, já apresentamos
crescimento. O mês de junho foi o melhor mês depois que começou a pandemia”,
notifica a livraria.
As livrarias físicas foram as mais afetadas pelo novo coronavírus,
sobretudo as que não haviam trabalhado anteriormente com canais online. Algumas
delas se reinventaram vendendo livros por delivery e WhatsApp. Nos três
primeiros meses da quarentena, o executivo da CBL informa que as lojas estavam
faturando de 30% a 40% com uma boa plataforma de e-commerce. Agora, com a
reabertura gradual, funcionando já durante seis horas, as livrarias aumentaram
as vendas para 50%. O presidente da CBL projeta que, até o final deste ano,
esse número aumentará para 70% e, mais à frente, em 2021, as vendas poderão se
estabilizar.
Nos últimos quatro anos, o varejo do livro passou por crises e prejuízo.
Grandes livrarias, como a Saraiva e a Cultura, entraram em processos de
recuperação judicial. Em 2019, no entanto, o mercado ficou estável e a projeção
era de que este ano houvesse crescimento de 2% a 3%. Para ajudar os livreiros
menores, a CBL, a ANL e o SNEL criaram uma campanha para arrecadar dinheiro
(até o final de julho) para 50 livrarias com apenas uma unidade e que tenha 50%
do negócio dedicados à venda de livros.
Leitura digital
Sem grande representatividade antes do
confinamento, as vendas no digital tiveram ganhos. De acordo com o Submarino, a
busca por livros no site aumentou conforme os hábitos se intensificaram na
pandemia. Otávio Marques da Costa, publisher da Companhia das Letras, indica
que houve um crescimento expressivo do varejo online desde março, quando as
medidas de isolamento social começaram a vigorar no Brasil. Segundo o
executivo, as rupturas logísticas que eram esperadas aconteceram de modo menos intenso
do que o previsto e as editoras com catálogos mais extensos conseguiram
enfrentar de modo razoável a crise. O momento também foi propício para a
divulgação dos catálogos, que estão ganhando interesse do público e são mais
difíceis de comunicar.
A procura por e-books aumentou significativamente. Levantamento da
Bookwire, que distribui e-books, mostrou que o número de exemplares
distribuídos pela empresa entre março e abril foi 80% maior do que a soma de
2019 inteiro. Foram distribuídos 9,5 milhões de livros digitais. Na Cia. das
Letras, houve aumento também, mas os livros físicos se superaram. Segundo a
editora, a venda de audiolivros vem crescendo ao longo dos anos, mas ainda não
é tão significativa.
As livrarias, no entanto, não deixaram de estar no radar das editoras.
Em junho, a Companhia das Letras criou um fundo de R$ 400 mil para pequenas
livrarias independentes para o financiamento da folha de pagamento. A empresa
também ofereceu seu serviço de logística para pequenos livreiros. “Eles são parte
fundamental da cadeia de divulgação e da cadeia do livro. Uma vez que as coisas
comecem a se normalizar, queremos que o livreiro independente possa retomar sua
atividade porque é uma parte importante da cadeia para divulgação de livros que
aparecem menos no varejo online. Se, no final disso tudo, o livreiro
independente fechar, o mercado todo perde”, argumenta o publisher.
Soluções
de comunicação
Otávio, da Companhia das Letras, atribui a melhora nos canais eletrônicos a um investimento maior para divulgação no ambiente digital. A editora, que sediava diversos eventos físicos para lançamentos, passou a realizar lives diárias com a presença de diferentes selos e criou festivais como o Na Janela, série de bate-papos entre autores transmitido no YouTube. Já foram transmitidas edições de não-ficção, literatura brasileira e sobre ditadura militar em parceira com a Folha de S. Paulo.
“O mercado, em grande medida, já estava atento a isso e adaptando sua
estratégia de marketing e divulgação para o ambiente online. Isso deveria estar
na mesa de todos os editores. Já era algo independentemente da pandemia. A
lógica de divulgação já estava alterada em função disso”, defende Costa.
O Submarino implementou melhorias como a oferta de sinopses mais
completas das obras, com visualização mais simples e rápida nas páginas dos
produtos. E a marca tem cedido espaço nas suas redes sociais para debates sobre
temas literários, “como uma forma de se aproximar ainda mais dos leitores”. O
e-commerce também tem buscado trazer mais livros em pré-venda e lançamentos. Já
a Saraiva tem trabalhado com promoções de incentivo, como cupons de desconto,
desconto progressivo e ações de saldão com foco em preço.
Para o presidente da CBL, essas inovações propiciadas pela digitalização
— como congressos, festivais e maior troca com os autores nas redes sociais —
são o legado positivo da pandemia que deve permanecer. “A rede mundial está de
fato criando um elemento de fusão do livro fantástico e as editoras e livrarias
estão aprendendo a trabalhar melhor com as redes sociais. Essas são algumas das
coisas boas que permanecerão”, diz.
Um toque de leveza e bom humor https://bit.ly/2XgnENa
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