Até a prevista posse de Biden, serão meses concedidos a um presidente ensandecido
A tensão exibe
nível muito alto para uma sociedade já levada a condições potencialmente
conflituosas
Janio de
Freitas, Folha de S. Paulo
Tirar Donald Trump da presidência com um impeachment veloz é o único meio de talvez evitar o que seria seu maior feito: aproximar ainda mais os Estados Unidos de uma convulsão. A tensão exibe nível muito alto para uma sociedade já levada, por longa elaboração, a condições potencialmente conflituosas e agora submetidas a estímulos descontrolantes.
Até a prevista posse
de Joe Biden em 20 de janeiro, serão mais de dois meses concedidos a
um presidente ensandecido, que acusa de roubo e corrupção o sistema eleitoral e
avisa o país de que resistirá “até o fim”. Não expõe nem indícios do que acusa
e não diz qual é “o fim” em sua disposição. É certo, porém, que conhece os
perigos implícitos na atitude que incita o segmento da população armado,
violento e numeroso —os seus seguidores extremados.
Com
Trump ainda na presidência, serão dias em que dele, do seu desatino ambicioso,
poderá projetar-se qualquer ato de uma mente transtornada e, apesar disso,
poderosa.
Quem é capaz
de fazer expulsar para o México
centenas de crianças sem os pais, de várias nacionalidades e sem
parentes no destino —fato anterior ao choque da derrota eleitoral e agora
revelado pelo jornal The New York Times— ficaria muito bem entre os criminosos
do nazismo. É capaz de tudo.
Há quase 70
anos, ou desde que iniciadas as reações do nosso tempo à discriminação dos
negros, são periódicos os levantes contra a opressão racista e a liberdade
combinada com impunidade para os crimes oficiosos contra não brancos.
Mas, como contemporâneo
e profissional de atenção a esse período, não me consta fase alguma de
extremismos tão difundidos nos Estados Unidos, como atestam as chamadas redes
sociais. Nem de divisão da sociedade nas proporções atestadas pelas urnas
recentes.
Observar que
metade dos eleitores americanos, no maior comparecimento da sua história,
deseje a permanência da mente de Trump na presidência da “América” é, com a
melhor clareza, desmentir o caráter exemplar da democracia americana.
A propaganda
fez o mundo adotar a ilusão. Com discriminação racial não seria construída uma
democracia. Sobre essa deformação duradoura, o que se mostra nos Estados Unidos
não é a diversidade democrática de opinião.
Amostra
apressada, já na segunda noite da contagem eleitoral a polícia da Filadélfia
recebeu a denúncia de que homens armados dirigiam-se ao centro de apurações.
Pôde prender dois deles.
Nos anos Trump, a preferência por fuzis, entre os militantes
armados, foi substituída pela compra de metralhadoras. Armas de ataque,
metralhadoras de todos os tipos, motivando a criação de lojas especializadas.
As milícias políticas de brancos proliferam nos últimos anos como nunca, com
campos de treinamento também para mulheres e mesmo crianças.
Do desafio de Trump às instituições do país que preside até
à nova saturação das humilhações não brancas, os prenúncios transbordam. Não é
vazio o temor que jornais e televisões noticiam com avareza, com seu velho
pretexto das razões de Estado. A elevação de Trump já era sinal suficiente de
degeneração. Ele agiu para confirmar o sinal e age para levar a degeneração até
o fim.
De grão em grão a urna confirma o
que se quer https://bit.ly/2U6Twlu
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