09 abril 2022

O acaso dentro de campo

Benzema é um minimalista, faz o que é essencial com grande talento

No Brasil, sem comparar o talento, um jogador extremamente conciso e eficiente é Raphael Veiga, do Palmeiras
Tostão, Folha de São Paulo

 

No futebol, não deveríamos ser tão metidos a "entendidos", como diria Nelson Rodrigues, achar que tudo o que acontece em um jogo é programado, calculado, nem ficar fascinado pela relatividade das coisas, pelos imprevistos e pelas soluções individuais.

Não me rotulem de cronista do acaso. Sou encantado pela ciência e pela estratégia do jogo. Apenas enxergo e valorizo o outro lado, o das incertezas.

A intensa movimentação dos jogadores no futebol moderno deixa muitos analistas ansiosos, agitados, como se houvesse, a cada momento da partida, uma estratégia diferente, programada pelos treinadores. Sonham decifrar, descobrir os pensamentos estratégicos, como se isso fosse a chave para explicar todos os detalhes técnicos e táticos.

Estamos sempre em dúvida. A má atuação do Corinthians, na estreia da Libertadores, foi mais por causa dos problemas que a equipe já tinha ou foi mais pela altitude? Não sei. Alguns argumentam que a seleção brasileira, semanas antes, usou a mesma estratégia do Corinthians e de todas as outras equipes brasileiras de chegar pouco antes do jogo em La Paz. Na partida da seleção, quem parecia inadaptado à altitude eram os bolivianos.

Nos anos 1960, o Cruzeiro ganhou da seleção boliviana por 2 a 0. Na véspera, não conseguia dormir, por causa de uma intensa dor de cabeça, o que nunca tinha tido antes. Desci, e o porteiro do hotel, solidário com minha dor, deu-me um chá de coca para beber. Tomei, e a dor sumiu. Se houvesse exame antidoping, eu seria flagrado, suspenso, e o episódio seria lembrado até hoje.

As dúvidas continuam. É melhor ter um típico centroavante, artilheiro, ou um atacante que se movimenta bastante, troca passes e facilita para os companheiros? Vai depender das circunstâncias e do talento do jogador. Talento não é sinônimo de habilidade, de técnica ou de criatividade, como insistem em dizer. É a síntese de tudo isso mais a lucidez para tomar as decisões e as boas condições físicas e emocionais.

Benzema possui enorme talento. Além de artilheiro, dá passes para gols e potencializa os dribles e a velocidade de Vinicius Junior. Benzema não desperdiça tempo, gestos ou ações. Minimalista, faz o que é essencial, com grande precisão. No Brasil, sem comparar o talento, um jogador extremamente conciso e eficiente é Raphael Veiga, do Palmeiras, pela precisão nos passes e nas finalizações.

Por que o VAR, no Brasil, demora tanto para decidir e por que marcam tantos pênaltis por causa de bolas que batem no braço do defensor? Os Zé Regrinhas falam que é por causa do movimento antinatural, como se houvesse, em todos os movimentos do corpo, um posicionamento correto do braço. Os Zé Regrinhas querem criar um novo esporte, o do videogame.

A super-retranca do Atlético de Madrid, contra o Manchester City, com duas linhas de cinco jogadores próximos à área, foi eficiente porque o time só perdeu por 1 a 0 e, em casa, a história pode ser outra, ou a equipe, além de um péssimo espetáculo, perdeu a chance de empatar ou de ganhar, já que possui excelentes jogadores? Saberemos no jogo de volta. Os comentários já estão prontos.

A grande dificuldade de compreender e de analisar bem o futebol é a de que, por mais que valorizemos o desempenho de uma equipe, somos dependentes do resultado. Outra contradição é o fato de que o placar ocorre, com frequência, por acaso e por detalhes surpreendentes. Fica ainda mais confuso e incerto.

Veja: O nó da terceira via
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