A metamorfose
Luís Fernando Verissimo
Uma
barata acordou um dia e viu que tinha se transformado num ser humano. Começou a
mexer suas patas e viu que só tinha quatro, que eram grandes e pesadas e de
articulação difícil. Não tinha mais antenas. Quis emitir um som de surpresa e
sem querer deu um grunhido. As outras baratas fugiram aterrorizadas para trás
do móvel. Ela quis segui-las, mas não coube atrás do móvel. O seu segundo
pensamento foi: “Que horror… Preciso acabar com essas baratas…”
Pensar,
para a ex-barata, era uma novidade. Antigamente ela seguia seu instinto. Agora
precisava raciocinar. Fez uma espécie de manto com a cortina da sala para
cobrir sua nudez. Saiu pela casa e encontrou um armário num quarto, e nele,
roupa de baixo e um vestido. Olhou-se no espelho e achou-se bonita. Para uma
ex-barata. Maquiou-se. Todas as baratas são iguais, mas as mulheres precisam
realçar sua personalidade. Adotou um nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que
só um nome não bastava. A que classe pertencia?… Tinha educação?…. Referências?…
Conseguiu a muito custo um emprego como faxineira. Sua experiência de barata
lhe dava acesso a sujeiras mal suspeitadas. Era uma boa faxineira.
Difícil
era ser gente… Precisava comprar comida e o dinheiro não chegava. As baratas se
acasalam num roçar de antenas, mas os seres humanos não. Conhecem-se, namoram,
brigam, fazem as pazes, resolvem se casar, hesitam. Será que o dinheiro vai dar
? Conseguir casa, móveis, eletrodomésticos, roupa de cama, mesa e banho.
Vandirene casou-se, teve filhos. Lutou muito, coitada. Filas no Instituto
Nacional de Previdência Social. Pouco leite. O marido desempregado… Finalmente
acertou na loteria. Quase quatro milhões ! Entre as baratas ter ou não ter
quatro milhões não faz diferença. Mas Vandirene mudou. Empregou o dinheiro.
Mudou de bairro. Comprou casa. Passou a vestir bem, a comer bem, a cuidar onde
põe o pronome. Subiu de classe. Contratou babás e entrou na Pontifícia
Universidade Católica.
Vandirene
acordou um dia e viu que tinha se transformado em barata. Seu penúltimo
pensamento humano foi : “Meu Deus!… A casa foi dedetizada há dois dias!…”. Seu
último pensamento humano foi para seu dinheiro rendendo na financeira e que o
safado do marido, seu herdeiro legal, o usaria. Depois desceu pelo pé da cama e
correu para trás de um móvel. Não pensava mais em nada. Era puro instinto.
Morreu cinco minutos depois , mas foram os cinco minutos mais felizes de sua
vida.
Kafka
não significa nada para as baratas…
.
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