Discurso de Bolsonaro
contra a corrupção se enfraquece em ano eleitoral
Revelação de casos recentes se soma a vários atos
para barrar investigações e esvaziar órgãos de controle
Ranier Bragon e Fabio
Serapião, Folha de S.Paulo
A
revelação de um balcão de negócios no Ministério da Educação e
de suspeitas em contratos e na distribuição das bilionárias verbas das emendas parlamentares
enfraquecem cada vez mais o discurso eleitoral repetido por Jair Bolsonaro (PL) e aliados de que o governo federal está há três anos sem registrar
casos de corrupção.
Os
recentes escândalos que derrubaram Milton Ribeiro da Educação se
somam a suspeitas antigas, à aliança com o outrora execrado centrão e à metódica
ação nesses três anos para barrar investigações e esvaziar órgãos de
fiscalização e controle.
Bolsonaro
se elegeu em 2018 na esteira do estrago político provocado pela Lava Jato e conseguiu se colocar como um dos que
empunhavam a bandeira anticorrupção, mesmo com fortes suspeitas de desvio de
dinheiro público já atingindo ele e familiares.
No
início de 2018, por exemplo, a Folha mostrou que o
então presidenciável e seus três filhos com mandato parlamentar apresentaram uma expressiva evolução patrimonial atuando
quase que exclusivamente na política, além de revelar que Bolsonaro mantinha
por 15 anos uma funcionária fantasma (em março de 2022 o Ministério Público
apresentou ação pedindo a condenação do presidente por improbidade
administrativa).
Após
ser eleito, mas antes da posse, estourou o escândalo Fabrício Queiroz, o amigo e ex-funcionário apontado
como operador de um esquema de "rachadinha" (apropriação de parte dos
salários de servidores) no gabinete do filho Flávio, na Assembleia do Rio.
Nada
disso impediu que Bolsonaro mantivesse a pregação anticorrupção e escolhesse
como uma das estrelas do seu governo o então xerife da Lava Jato, Sergio Moro, que largou a toga, assumiu a pasta da
Justiça e foi chamado, à época, de um dos indemissíveis do governo (o outro era
Paulo Guedes).
Menos
de 16 meses depois Moro deixava o governo após um lento processo de
esvaziamento.
Hoje
acusa o ex-chefe de ter interferido na Polícia Federal com interesses
inconfessáveis —Bolsonaro trocou o diretor-geral da PF por três vezes até agora
e, na reunião ministerial de abril de 2020, que depois viria a público, deixou claro que iria interferir na PF e que
iniciaria a dança das cadeiras antes que investigações "f." ele,
familiares ou amigos.
Os
alvos preferenciais do discurso anticorrupção de Bolsonaro eram, inicialmente,
o PT e integrantes do centrão, grupo que foi classificado por ele como o que
havia de pior na política —e cujos membros foram chamado de ladrões por seu
futuro ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno.
Também
esse ponto se mostrou uma retórica eleitoreira, como reconheceu o próprio
Bolsonaro —"Eu sempre fui do centrão"— tempos depois,
após fechar uma aliança que deu ao grupo o controle de ministérios, de estatais
e da distribuição das bilionárias verbas das emendas do relator do Orçamento.
Hoje
Bolsonaro está filiado ao PL de Valdemar Costa Neto e tem o PP de Ciro Nogueira
(PI) e Arthur Lira (AL) como principal sigla aliada.
Em
março deste ano, a Transparência Internacional Brasil afirmou em relatório que
o governo Bolsonaro promoveu o "desmantelamento contínuo das estruturas
criadas, ao longo dos últimos anos, para combater a corrupção".
Diretor
da entidade no Brasil, Bruno Brandão disse à Folha que o presidente
seguiu a cartilha de governantes populistas autoritários que surgiram nos
últimos anos em todo mundo.
"Ele
se elegeu sequestrando o discurso anticorrupção e, quando chega ao poder, a
primeira coisa que faz é enfraquecer os órgãos de controle, de combate a
corrupção, porque são esses órgãos que limitam o poder desses
governantes."
No
entendimento do diretor da Transparência, o Brasil tem caminhado no sentido
contrário do mundo ao estabelecer a destinação de verbas por emendas de relator
(que têm baixa transparência), promover o desmanche dos marcos legais e
institucionais ligados ao combate à corrupção e colocar o centrão no comando.
"É
uma tempestade perfeita para a corrupção em larga escala. No momento que seria
importante o combate à corrupção e ao desperdício de dinheiro público para
utilizar na recuperação da pandemia", afirma.
Um
dos exemplos de ações concretas de Bolsonaro no sentido contrário ao combate à
corrupção foi a indicação de Augusto Aras para a chefia do Ministério Público Federal, em setembro de
2019.
Bolsonaro
ignorou a lista tríplice elaborada pelos procuradores e nunca escondeu que
buscava um aliado para a Procuradoria-Geral da República, que tem como uma de
suas principais atribuições investigar e denunciar políticos, incluindo o presidente
da República.
O
atual procurador-geral tem sido um dos principais responsáveis por barrar
investigações e processos contra Bolsonaro e integrantes do governo.
Em
ofício produzido em resposta ao relatório da Transparência, o gabinete de Aras
afirmou que as alegações relativas a ele na "têm como fonte informações
desprovidas de lastro na realidade institucional, repetindo premissas que
contrastam com os resultados da atuação institucional do órgão no combate à
macrocriminalidade,
incluindo a corrupção".
De
acordo com o documento, "o trabalho realizado na Procuradoria-geral da
República é de natureza jurídica, está limitado pela Constituição e pelas leis
em vigor e segue respeitando princípios como o do devido processo legal, do
juiz natural, da transparência e dos direitos fundamentais".
Também
notória foi a cruzada de Flávio Bolsonaro contra a investigação das
"rachadinhas", conseguindo, ao fim, anular as provas com base no
argumento do foro de prerrogativa, privilégio que sempre foi criticado pelos
Bolsonaros, nos palanques.
"As
atitudes concretas vão na direção oposta. Há muitas evidências na direção de
que, infelizmente, essa narrativa é desmentida pela realidade", diz o
procurador Roberto Livianu, referindo-se à afirmação de que o governo federal
está há três anos sem corrupção.
Presidente
do Instituto Não Aceito Corrupção, ele cita como exemplos os recentes
escândalos na Educação, as suspeitas de irregularidades nos processos de
aquisição de vacinas contra a Covid-19, o enfraquecimento das instituições e o
recurso ao sigilo de dados para dificultar a fiscalização.
Foi
o caso dos pastores evangélicos que, mesmo sem cargo no governo, promoviam um
balcão de negócios no MEC, com acusações de cobrança de propina até em barra de ouro.
Sete
dias após a Folha publicar áudio em que Milton Ribeiro disse
que privilegiava um pastor a pedido de Bolsonaro, o ministro da Educação perdeu
o cargo, em 28 de março.
O
governo decretou sigilo sobre a lista de entrada dos pastores no Palácio do
Planalto, mas, após repercussão negativa, divulgou documento que mostrou 35
reuniões com ministros e o próprio Bolsonaro.
Após
a queda de Ribeiro, a Folha mostrou que o
governo enviou verba a prefeituras para compra de kit de robótica
para escolas com gravíssimos problemas de infraestrutura, como falta
de água encanada.
A
empresa que intermediou o negócio é de um aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira, que controla a distribuição das verbas. Em nova reportagem, o jornal revelou que os kits
foram vendidos às prefeituras com ágio de 420%.
A Folha também mostrou recentemente que a empreiteira Engefort, que lidera contratos recentes
da Codevasf para pavimentação, ganhou diferentes licitações nas
quais participou sozinha ou na companhia de uma empresa de fachada registrada
em nome do irmão de seus sócios.
O
governo já reservou cerca de R$ 620 milhões para pagamentos à empresa.
Paralelamente
a esses casos, o Tribunal de Contas da União suspendeu no dia 5 a homologação
de um pregão para a compra de ônibus escolares por suspeita de sobrepreço,
conforme revelado em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.
Procurados,
o Palácio do Planalto e Aras não quiseram se manifestar.
.
Veja: Federação para eleger Lula
e derrotar Bolsonaro https://bit.ly/3uGYIiS
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