O tiro saiu pela culatra
Cida Pedrosa*
Um tiro disparado acidentalmente,
esta semana, no Aeroporto de Brasília por um ex-ministro da Educação mostra bem
no que o Brasil se transformou desde que Bolsonaro e sua trupe de celerados
ascendeu ao poder. Tem contrassenso maior que um ex-ministro da Educação, e
ainda por cima pastor evangélico, andar armado? Não deveria ele estar portando
livros (nem que fosse uma Bíblia) em vez de uma mortífera pistola Glock, de
nove milímetros, capaz de disparar 17 vezes?
Antes que alguém tente contemporizar, alegando que o trapalhão é segundo
tenente da reserva da Infantaria do Exército e tem porte de arma, obtido cinco
meses após assumir o Ministério, graças a um registro de caçador, atirador
desportivo e colecionador (CAC) concedido em prazo recorde de duas semanas,
isso só torna tudo ainda pior. Afinal, comprova a total incapacidade de pessoas
que, neste governo, têm obtido autorização para possuir ou portar armas de fogo
num país que está entre os dez mais violentos do mundo, com taxa de 30,5
homicídios para 100 mil habitantes, segundo a ONU.
Felizmente, o tiro no aeroporto apenas feriu levemente uma funcionária,
mas o número de armas cada vez maior em circulação nesse país, tem potencial,
para causar muito mais estrago. Desde que a posse de armas foi flexibilizada é
visível o aumento do número de pontos de vendas de armas de fogo. Em visita ao
interior de Pernambuco recentemente, deparei, assustada, com muitas lojas
dessas que, até pouco tempo atrás não existiam. No Recife, também é chocante
ver grandes lojas de armamento até em pequenos shoppings de bairro.
Só quem lucra com tanta facilidade de acesso é quem fabrica ou vende esses
artefatos. Ou a bandidagem, que consegue obter armas mais facilmente,
tirando-as de cidadãos incautos, que se iludem achando que, armados estarão
mais seguros. Do lado de quem perde está a imensa maioria da população,
principalmente as mulheres.
Não são poucas as agressões e discussões que terminam em morte apenas
porque o agressor teve acesso a uma arma de fogo. Há casos incontáveis
assim, ocorridos em lares onde a violência doméstica já faz morada, e no
trânsito, onde se briga por qualquer futilidade.
Se vivêssemos em um país com um governo preocupado com o bem-estar da
população, o Estatuto do Desarmamento jamais teria sido flexibilizado. A arma
que o nosso povo precisa é a do conhecimento, através de uma boa educação que
lhe garanta trabalho e vida digna. Justamente o que vem sendo negado por
Bolsonaro e ministros do quilate do “atirador” Milton Ribeiro.
Para quem não lembra, o ex-ministro em questão é aquele que dizia que
crianças com deficiências deveria estudar separadas das outras para não
atrapalhar o aprendizado das demais e se tornou um “banco” de aliados de
Bolsonaro, priorizando a liberação de recursos públicos da Educação para amigos
dos pastores Gilmar Santos e Arilton Ribeiro, como mostraram gravações dele
vazadas e divulgadas pela imprensa. Seu último ato, depois da demissão, foi
justamente expor a estupidez e o risco que é armar incompetentes e
desequilibrados.
*Advogada, poeta, vereadora pelo PCdoB no Recife
O sentido dos fatos em poucas palavras https://bit.ly/3n47CDe
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