Grande parte de um jogo é inventado e o
restante é discutível
Como
existem no futebol tantas variações e incertezas, é muito difícil definir certo
e errado
Tostão/Folha de S. Paulo
No meio de semana, o Manchester City,
mais uma vez, jogou abaixo do que se espera, no empate por 1 x 1 contra o
Leipzig, da Alemanha, pela Champions League. Haaland, como é habitual tocou
pouquíssimas vezes na bola. Desta vez, não fez gol, o que é surpreendente. Ele
é um dos principais artilheiros do futebol mundial.
Após a contratação de Haaland,
o City teve uma queda no desempenho, nos resultados e no número de gols
marcados, que se concentraram no atacante norueguês. Isso não significa que a
solução seja tirar o centroavante, pois inúmeros outros fatores podem estar
presentes para explicar a queda da equipe.
Mesmo assim, o City continua na vice-liderança do Campeonato
Inglês e com grande chance de, em casa, vencer o Leipzig e se
classificar para as quartas de finais da competição europeia.
No futebol, quase sempre as causas das atuações e resultados são
muitas. Nós, comentaristas, é que tentamos simplificar e procurar um único
motivo para tudo.
As discussões são antigas, sobre se é melhor ter um clássico
centroavante, grande artilheiro ou um que se movimenta mais, participa mais das
jogadas, mesmo fazendo menos gols. Melhor ainda é o centroavante que faz e que
dá muitos passes para gols, como Benzemá e
Kane. Estes são os craques artilheiros.
Na linguagem moderna, adoram dizer que o centroavante que se
movimenta bastante, recua, dá passes para gols e participa do jogo coletivo, é
chamado de falso 9.
Antes do mundial de 70, Zagalo, após substituir João Saldanha,
convocou dois típicos centroavantes, Roberto e Dario, que na época era o maior
artilheiro do Brasil. O técnico disse que eu seria o reserva de Pelé, pois era
um meia-atacante no Cruzeiro, embora tivesse sido o artilheiro da seleção nas
Eliminatórias para a Copa.
Perto do Mundial, Zagalo mudou de ideia e me escalou para ser o
centroavante. A seleção não precisava de mais um artilheiro, pois já tinha Pelé
e Jairzinho. Fui um centroavante armador, facilitador para os dois.
Muitas vezes, um treinador faz uma substituição certa e dá
errado por inúmeros outros motivos. Ou ocorre o contrário. Outras vezes um time
está perdendo, mas jogando bem, criando chance de gols e o técnico muda a
equipe. Perde a chance de ganhar. Especiais são os treinadores que mudam no
momento certo e que dá certo.
Diferentemente do que alguns pensam, dou uma enorme importância
ao trabalho dos treinadores, que precisam formar e comandar um grupo, planejar,
criar estratégias e ainda conviver com a crítica. Não é fácil. Discordo apenas
da supervalorização dos treinadores, nas vitórias e nas derrotas, como se tudo
que ocorresse num jogo fosse programado, ensaiado e determinado pela ação dos
treinadores.
O futebol vive de clichês, de lugares comuns e de comentários
prontos para todas as possibilidades que acontecem em um jogo. Assim é também
em outras atividades. Poucas vezes a pessoa é surpreendida com o inusitado. O
mundo é um clique.
Como existem no futebol tantas variações, possibilidades e
incertezas, é muito difícil definir o certo e o errado. O comentarista costuma
analisar o jogo de acordo com o resultado e com suas opiniões e conceitos. O
futebol não é só isso que se vê. É um pouco mais!
Parafraseando o grande poeta Manoel de Barros, grande parte de
um jogo é inventado e o restante é discutível.
Arte é vida: uma obra de Egon Schiel bit.ly/3SCsEaw
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