Reflexões sobre o papel dos militares na cena política
atual
Ronald
Freitas* /Portal Grabois www.grabois.org.br
Mais um ano vai se encerrando. E geralmente esse é um período em que se fazem balanços do desempenho dos vários setores que compõem a sociedade. Mas “o fim do ano” é um marcador arbitrário do final de um ciclo de acontecimentos, seja na vida pessoal, seja nas relações político-econômicas e sociais que, de forma multilateral e interdependente, se desenvolvem na sociedade.
Mas não pretendemos,
neste espaço, fazer um balanço do que ocorreu no ano de 2024, apesar de ele ser
cheio de densos problemas críticos de conteúdo político, econômico e social.
Destaco o que, a meu
juízo, está entre os principais eventos políticos ocorridos neste ano até o
momento. A descoberta, por meio de investigações realizadas pela Polícia
Federal, da construção conspirativa de um Golpe de Estado, que tinha como objetivo,
por meios violentos, impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da
Silva e dar continuidade os governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Trama golpista essa que
foi gestada nos porões do palácio da Alvorada e do Planalto (entre o segundo
semestre de 2022 e o início de 2023), e que teve na figura do ainda então
presidente Jair Bolsonaro seu principal líder, e contou, como organizadores e
operadores, com vários oficiais generais do Exército e da Marinha, bem como com
mais de 20 oficiais superiores do Exército, além de delegados da polícia
Federal, civis, com destaque na vida política, como o Presidente do PL, e
inclusive com um padre da Igreja Católica.
A abertura desse
inquérito é de uma importância transcendental em nossa vida republicana.
Mormente se nos atentarmos ao fato de que, entre os militares de alta patente
denunciados no inquérito, estão presentes vários generais, da ativa e da
reserva, sendo alguns deles “Generais de quatro Estrelas”.
Destaco esse fato
para pôr em evidência que, se essa trama golpista tivesse tido êxito, estaríamos
neste fim de ano de 2024 amargando um governo ditatorial, de cunho policial
militar, que, sem dúvida, além de se constituir em um Estado de Exceção e não
um Estado Liberal Burguês, como o atual, estaria governando na base da
perseguição a seus adversários políticos – que para eles são inimigos –,
desrespeitando os direitos e garantias democráticas da Constituição de 1988, e
impondo ao país um regime de terror, que afetaria toda a sociedade brasileira,
e não só aquela parte que se situa no campo democrático e progressista.
O resultado dessa
investigação, realizada pela Polícia Federal e encaminhada ao Supremo Tribunal Federal,
criou as condições, para que fosse aberto, por esse tribunal, um processo
criminal contra os agentes dessa trama golpista. Esse fato, que está se
desenrolando nos dias de hoje, garantiu a continuidade da democracia liberal
burguesa que rege nossas relações estatais. E se tiver curso dentro das normas
legais que regem esse tipo de procedimento, poderemos, pela primeira vez, ver
militares de alta patente condenados por procurarem a manu militari, mudar os rumos políticos do país.
A acolhida pelo
Supremo Tribunal Federal da denúncia de que existiu, no fim do governo
Bolsonaro, uma intensa atividade conspirativa, para dar um Golpe de Estado que
tinha como objetivo principal impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio
Lula da Silva, é algo inédito na nossa vida republicana.
Porém o fato de que a
tentativa golpista foi frustrada, e de que está em curso um processo judicial
para julgar o papel nele desempenhado por militares de alta patente, não nos
deve criar a ilusão de que vivemos em uma democracia liberal burguesa, de
fortes instituições, e que essas instituições serão os instrumentos que
viabilizarão a implementação de um processo de desenvolvimento nacional de
cunho progressista e popular.
Essa situação de
desenvolvimento do processo contra os golpistas acima referidos é, ao mesmo
tempo, um sintoma de quão instável é a situação política que vivemos, e de como
atuam à margem da lei instituições que deveriam se pautar pelo papel que lhes é
atribuído pela Constituição de 1988, buscando objetivos próprios, de acordo com
conceitos e valores, que consideram os mais adequados para o governo do país e
para o bem-estar da sociedade.
Nesse sentido, o
momento crítico que vivem as Forças Armadas, mormente o Exército, abre uma
janela de oportunidades para que sejam discutidas e implementadas, pelo
Executivo, pelo Legislativo, pelo Judiciário e principalmente pela ação política
da sociedade, mudanças Constitucionais que alterem o artigo 142 da CF, que tem
se prestado a interpretações golpistas do papel dessas forças.
E que sejam introduzidas
modificações em suas estruturas organizacionais, mormente no que diz respeito ao
controle do poder civil sobre as forças militares. Que se realize uma revisão
crítica dos currículos das Escolas Militares, de forma que, ao lado de garantir
o preparo de quadros militares de alto nível profissional, capazes de atuar na
defesa da Pátria, utilizando o que de mais moderno existe na doutrina militar, estrito
senso, seja introduzido o estudo, e cultivados entre eles valores humanísticos que
os preparem para compreender que o seu papel é, além de estarem preparados para
repelir qualquer ameaça externa a nossa soberania e integridade territorial, o que não é de
serem a guarda pretoriana das elites econômicas, nacionais e
estrangeiras, e interferirem no processo político todas as vezes que essas
classes dominantes se sentirem ameaçadas em seus privilégios e apelarem para a
intervenção militar como forma de mantê-los.
Por óbvio vivemos no
Brasil e no mundo um processo político de defensiva estratégica e tática, onde
impera uma correlação de forças que permite uma avaliação de que as propostas e
considerações acima elencadas são meras utopias sem base na realidade do dia a
dia da política.
Não discordo
totalmente dessas eventuais análises. Porém o que me move ao emitir estas
opiniões é que, do ponto de vista objetivo de como se desenrola a luta de
classes no Brasil atual, cabe às forças progressistas, democráticas,
socialistas e comunistas posicionarem-se e lutarem, para que se realizem
reformas estruturantes da sociedade brasileira que ultrapassem os estritos
limites que a luta institucional, atualmente travada nos marcos do Estado
Liberal Burguês que nos dirige, portador de uma configuração disfuncional entre
seus poderes constituintes – centrais e periféricos –, que não permitem
avançarmos no rumo de um projeto nacional de desenvolvimento mais condizente
com as necessidades do povo e da Nação brasileira. Como no conto de Andersen,
alguém necessita dizer que o rei está nu.
*Advogado, membro do Comitê Central do PCdoB, autor de “O Estado brasileiro e seus desafios no século 21 – uma breve história”
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