Os governos deverão promover um relaxamento das regras fiscais, com acordos políticos robustos. Ou seja, é hora de os governos gastarem bem, criarem regras para que pessoas e empresas tenham maior prazo para saldar dívidas, fazerem desonerações por prazo determinado
Clemente
Ganz Lúcio, Portal Vermelho
O sistema produtivo está cada vez mais travado em
decorrência das quarentenas que exige o tratamento para o coronavírus. Sem
trabalhar, a economia desacelera, o fluxo de produção para e deixa de gerar
riqueza (bens e serviços) e renda (lucros, salários e impostos). Os impactos desse
travamento se retroalimentam com a queda no consumo das famílias, das empresas
e dos governos. Sem produção de insumos, a produção industrial mundialmente
integrada entra em colapso. Esse processo se agrava com a crise financeira
mundial em curso antes da pandemia.
Na
medida em que o vírus se espalha em mais da metade dos países, o travamento vai
se ampliando, sem data para acabar. O destravamento é complexo e levará tempo.
Os impactos sobre os empregos e a renda dos trabalhadores serão severos, além
dos riscos sobre a saúde e a vida.
Os Estados e governos nacionais e os organismos multilaterais
devem, além dos máximos cuidados essenciais à saúde, tomar medidas com a máxima
urgência para proteger os empregos, a renda das pessoas e a vitalidade do sistema
produtivo e financeiro.
Iniciativas
como a da União Europeia que decidiu ativar um Fundo de 25 bilhões de euros,
sendo 7,5 bilhões liberados imediatamente, para socorrer os problemas de
liquidez das empresas (dinheiro para pagar compromissos, inclusive salários),
para apoiar o sistema de saúde e para proteger as ocupações dos trabalhadores.
Os governos deverão promover um relaxamento das regras fiscais,
com acordos políticos robustos, ou seja, é hora de os governos gastarem bem,
além de criar regras para que as pessoas e empresas tenham maior prazo para
saldar dívidas ou fazer desonerações por prazo determinado.
Enquanto a OMS/ONU declara pandemia, aqui no Brasil o presidente
diz que a crise “não é isso tudo que a mídia diz”. Está enganado ou está tentando
nos enganar. É gravíssima e poderá ficar muito pior se não forem tomadas
medidas imediatas, urgentes e inteligentes.
O
Brasil deve realizar, além de todas as iniciativas na área de saúde para conter
a propagação do vírus, três ordens de medidas que devem ser simultâneas e
combinadas: a) retomar imediatamente investimentos públicos; b) garantir a
renda das pessoas (salários e transferências); c) garantir liquidez para
empresas e pessoas (capital de giro, alongamento dos prazos para pagar dívidas,
desoneração temporária).
Medidas para cada uma das três frentes, todas com impactos para
preservar empregos e renda:
1.Investimento público – recurso usado com inteligência
estratégica para realizar obras relevantes para a infraestrutura econômica e
social, gerando empregos:
–
Retomada imediata das milhares de obras paradas, investimentos em
infraestrutura econômica e social.
– Reverter o desmonte do BNDES e recolocá-lo como banco voltado
para o desenvolvimento produtivo, priorizando empréstimos para projetos de investimento
em execução.
– Implantar imediatamente os novos projetos de investimentos
prontos para execução, em espacial na construção habitacional, que devem ser
ampliados.
–
Criar força tarefa no Congresso para dar uma solução definitiva aos acordos de
leniência, liberando as empresas para retomarem atividades produtivas, os
empregos e a capacidade da engenharia nacional estruturar competência para o
desenvolvimento do país.
– Recolocar a centralidade das atividades produtivas das
estatais, em especial dos investimentos estruturantes de cadeias produtivas em
infraestrutura econômica e dos fornecedores, em especial, de engenharia.
– Reestruturar os investimentos produtivos públicos e privados
para o fornecimento de insumos para a produção de alimentos.
2.Liquidez, a depender dos impactos sistêmicos na vida das
pessoas e empresas:
–
Liberar recursos com taxas de juros especiais para a liquidez das empresas,
vinculado à preservação dos empregos.
– Criar medidas para suspensão temporária da cobrança de taxas
de serviços públicos.
– Criar mecanismos para a reorganização das dívidas das pessoas
e famílias, incluindo financiamento habitacional.
3.Preservar
empregos e renda:
– Liberar recursos para as cidades e estados realizarem
atividades geradoras de empregos imediatamente para as múltiplas atividades,
tais como: inúmeros tipos de reparos urbanos; reforma e construção de
equipamentos e de instalações (posto de saúde, escola, segurança etc.), limpeza
urbana; cuidados ambientais; cuidados com a saúde e educação; cuidados
assistenciais para crianças, idosos e doentes, entre outras inciativas.
–
Ampliar imediatamente o seguro-desemprego para 7 parcelas e analisar a sua
extensão em função dos impactos.
– Liberar a fila do INSS garantindo aos aposentados o acesso aos
benefícios para quase 2 milhões de solicitações.
– Recolocar os beneficiários excluídos do Bolsa Família e
incluir os novos requerentes que são hoje cerca de 3,5 milhões de pessoas;
–
Aplicar um abono salarial para o salário mínimo e indicar a retomada da sua
valorização.
– Revitalizar o PPA – Programa de Aquisição de Alimentos e o
PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar.
– Recolocar ativo o PPE – Programa de Proteção dos Empregos.
–
Incentivar acordos sindicais que preservem os empregos, inclusive com o uso do
PPE.
– Facilitar o acesso ao afastamento saúde para os assalariados e
criar um abono saúde emergencial para os trabalhadores não assalariados
afetados pelo vírus.
Outras medidas:
–
Petrobrás: ampliar o refino segundo sua capacidade produtiva instalada,
diminuindo importação.
– Rever o preço do botijão de gás para R$ 40,00 ou menos.
– Revisão imediata da Lei do Teto de Gasto, liberando
investimentos e gastos sociais orientados para o enfretamento da crise.
–
Suspender a tramitação de projetos que criam restrições fiscais e limitam a
atuação do Estado.
Essas, entre outras medidas que poderão ser criadas, exigem ação
tempestiva. O Congresso poderia criar um Comitê, incluindo as organizações dos
empresários e dos trabalhadores, para monitorar e debater iniciativas. Não cabe
dúvida: é urgente atuar pensando em todos os brasileiros e brasileiras,
protegendo especialmente os mais fracos, pessoas e empresas.
O
autor é sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social. É colunista do Brasil Debate
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