Como a crise deixou Paulo Guedes e Bolsonaro sem resposta
Economistas já vislumbram recessão
para a economia brasileira
Portal Vermelho
A ameaça de
pandemia causada pelo novo coronavírus, a queda de mais de 30% no preço do
petróleo, o pânico nos mercados mundo afora e a frustração com a recuperação da
economia brasileira exigem medidas imediatas do governo. Economistas de
diferentes vertentes apontam o fracasso da cartilha neoliberal e
ultrafiscalista de Paulo Guedes, o ministro da Economia do governo Jair
Bolsonaro.
Para Monica de Bolle, o País precisa acabar com o teto de gastos
e o governo tem de fazer investimento público em infraestrutura. “Estou cada
vez mais convencida de que a chance de o País entrar em recessão é grande, não
é pequena”, afirmou a pesquisadora do PIIE (Peterson Institute for
International Economics), baseado em Washington.
A preocupação é compartilhada pela
economista Laura Carvalho, professora na Universidade de São Paulo (USP).
“Apesar da promessa de que a reforma da Previdência faria com que a confiança
de investidores fosse retomada, na prática a gente vê que o mercado interno tem
de estar aquecido, as vendas têm de estar subindo para haver investimento. Não
é algo tão místico quanto parece”, afirmou. “A única coisa que poderia diminuir
esses impactos seria o aumento dos investimentos públicos. A situação pode ser
bem dramática, pode acontecer mesmo uma recessão ainda neste ano.”
Na análise de Laura, a flexibilização do teto de gastos é
necessária. “Essa regra – de crescimento zero dos gastos públicos em termos
reais – não é aplicada em nenhum país do mundo. E países que adotam regras de
gastos no geral dão tratamento especial a investimentos de infraestrutura, que
geram efeito de longo prazo.”
Há, ainda, desapontamento do mercado
com a resposta do governo Bolsonaro às dificuldades econômicas. Nesta
terça-feira (9), Paulo Guedes disse que sua equipe está “absolutamente
tranquila” com a desaceleração da economia mundial – mesmo tom adotado na semana
passada após a divulgação do crescimento de 1,1% do PIB (Produto Interno Bruto)
em 2019 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “O governo
parece completamente perdido, não tem nada sendo dito nessa linha. Paulo Guedes
fica batendo na tecla das reformas – que, nesse caso, são absolutamente
inadequadas, não vão ajudar em nada o Brasil a navegar nessa crise”, disse de
Bolle.
Segundo ela, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pode
ser o líder de uma agenda de reação ao cenário internacional alarmante, na
opinião da economista. “Ele entende a gravidade da situação e poderia, sim,
sair à frente com alguma proposta e tentativa de liberar recursos do governo.
Esse é o momento – e não estou nem aí se vou ser crucificada no Brasil por
causa disso: o teto de gastos é uma estupidez completa.”
A emenda constitucional criando um
teto de gastos foi aprovada em dezembro de 2016, no governo Michel Temer (MDB),
estabelecendo como limite para os gastos públicos, durante 20 anos, o valor
desembolsado no ano anterior atualizado pela inflação. Só que a manutenção do
desemprego em taxa elevada – 11%, segundo o IBGE – e a economia frágil deixam
“o Brasil em uma situação muito ruim, sem muito espaço para fazer política de
estímulo”, argumentou de Bolle.
A taxa básica de juros (Selic) está em 4,25% ao ano, o menor
nível da história. O real está em franca desvalorização perante o dólar,
atingindo R$ 4,76 nesta segunda. “Na área fiscal, o País até tem mais margem de
manobra e deveria usá-la principalmente se tivesse uma estratégia quanto à
infraestrutura, porque os efeitos na economia são multiplicados. Isso gera mais
movimentação de investimento”, disse a pesquisadora. “Quem é contra medida
anticíclica diante de um quadro sem precedentes de crise no mundo causado por
uma epidemia grave deve ser cobrado quando der tudo errado.”
Maia deu declarações públicas
defendendo a expansão do investimento público como resposta à lenta recuperação
econômica. “Os números [do PIB] mostram uma queda do volume de investimento
público, uma queda de serviços na área pública – o que prova que a aplicação do
Orçamento, os investimentos públicos, são muito importantes também para ajudar
o crescimento econômico”, disse ele, ao ser divulgado o crescimento econômico
de 2019. “A gente não consegue organizar um país apenas com as reformas,
cortando, cortando, cortando. Para o Brasil crescer, é importante que a gente
olhe que o setor privado sozinho não vai resolver todos os problemas.”
A economista Zeina Latif concorda: com “más notícias para todos
os lados”, “se a gente tivesse uma agenda mais promissora, o efeito de contágio
[de todas as dificuldades] ia acontecer – mas talvez a gente conseguisse
reduzir um pouco. Assusta o fato de, com a economia frágil, a gente estar
gastando energia em temas secundários, ruídos políticos. Passa a noção de que o
governo não entendeu a gravidade do que está por vir”.
No sábado (7), Bolsonaro estimulou a
população a comparecer a manifestações golpistas marcadas para o próximo
domingo (15), negando que sejam atos contra o Congresso e o Judiciário, embora
essa tenha sido a bandeira erguida pelos movimentos que as convocaram
inicialmente. Para a economia, o efeito do protesto é nulo – ou talvez até
assuste mais os investidores.
Bolsonaro tampouco anunciou algo de relevante após sua reunião
com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no sábado, na Flórida. “O
mundo está mais protecionista, cada país vai se fechando, e é impressionante
como os líderes não estão à altura dos desafios, estão isolados. No encontro
entre Trump e Bolsonaro, é como se não existisse crise de coronavírus. Tudo é
muito politizado”, afirma Zeina Latif.
A epidemia traz uma crise de oferta
ao afetar produtores de insumos básicos da indústria e afasta mão de obra de
serviços e comércio. Traz também incerteza: quando o coronavírus atingirá seu
ápice de contágio no mundo? Como será contido? Tudo isso gera aversão ao risco
nos mercados e prejudica emergentes como o Brasil, onde há capital
especulativo. “Havia a perspectiva de que a China faria muito investimento no
Brasil e no mundo todo, uma vez que estava com o ritmo de desaceleração
adequado. Não vai vir dinheiro para o Brasil nem para ninguém”, diz Latif.
A queda vertiginosa do preço do petróleo de domingo para segunda
– o maior baque desde 1991, em meio à Guerra do Golfo – é outro fator de
preocupação. Ao Poder360,
o ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) disse que o governo pode elevar
a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) como resposta. “O
governo vem estudando um instrumento via tributos como forma de não submeter a
economia, bem como a população, à volatilidade abrupta de preços, para mais ou
para menos”, afirmou.
Nesta segunda, Bolsonaro já descartou
elevar a Cide e disse que a tendência é que os preços dos combustíveis caiam
nas refinarias. Na avaliação de Latif, mexer na Cide é fundamental. “Tem que
retomar a Cide, aproveitar esses momentos de queda de preço. Tem que fazer esse
colchão. A inflação está bem comportada.”
Para Monica de Bolle, o choque de oferta de petróleo pode até
ser positivo para a economia mundial, com a queda do preço. Mas, para o Brasil,
a situação fica ainda mais delicada. As ações da Petrobras chegaram a despencar
24% na Bolsa nesta segunda. “Isso reduz ainda mais a capacidade de infraestrutura.
Por isso, o País precisa de investimento público imediato”, afirmou.
Laura Carvalho identifica um
potencial prejuízo à economia nacional comparável ao de 2015. Como o Brasil
exporta mais óleo do que importa e a Petrobras responde por cerca de um quinto
dos investimentos totais no Brasil, um choque nesse setor pode mexer em
alicerces da economia. “A gente não sabe se vai ser da mesma magnitude ou
menor, mas não é algo nada negligenciável. Para além do efeito direto [da
desvalorização da Petrobras], tem o efeito na arrecadação de estados ligados a
petróleo.”
Latif nota que, em geral, em momentos
turbulentos como o atual, o governo de turno se empenha em mostrar uma reação.
“É o oposto do que está acontecendo agora.” Para de Bolle, Paulo Guedes parece
mais enfraquecido no governo, enquanto o secretário do Tesouro, Mansueto de
Almeida – que disse estar preocupado com a retomada econômica do País –, é “a
pessoa mais sênior na equipe” e pode substituí-lo. “Vai ter que tirar chapéu
fiscalista e substituir por outro.”
Laura Carvalho
disse que, “com o dólar tão alto, pode ser que o Banco Central pare de reduzir
os juros e até os eleve. Pode acabar tendo impacto na inflação, o que não
ocorreu até agora. A gente perde a única parte de estímulo que está vindo da
política monetária. É um quadro bem sombrio.”
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