“A gente não é empreendedor”, diz entregadora que se tornou liderança
Pammela Silva, 21 anos, é negra, lésbica e da periferia. Foi demitida de
emprego com carteira assinada e lidera movimento por mais direitos em
Pernambuco
Portal Vermelho www.vermelho.org.br
Na live de convocação para a paralisação nacional de entregadores
de aplicativo, Pammella Silva, de 21 anos, era uma das três lideranças mulheres
do movimento antifascista da categoria. Jovem, negra, lésbica e da periferia,
ela destoa da maioria dos rostos que representam a luta que se tornou visível
ao marcar presença nas manifestações antifascistas das torcidas organizadas a
partir do mês de maio. Agora, junto a um grupo de mais seis entregadores, ela
está à frente da greve marcada para a próxima quarta-feira, 1º de julho.
É a primeira paralisação
nacional da categoria. No estado, a mobilização está a cargo do movimento de
entregadores antifascistas e da Associação de Motoristas de Aplicativos de
Pernambuco (AMAP-PE), mas ambos fazem questão de frisar que a greve não tem cunho
antifascista, mas sim de reivindicação por direitos básicos para estes
trabalhadores. Em média, os entregadores envolvidos são jovens, têm entre 20 e
35 anos.
Os entregadores antifascistas
tentam se firmar em Pernambuco com argumentos semelhantes aos de outros estados
do Brasil: apartidários, em defesa da democracia e com uma pauta de direitos
básicos. Em entrevista à Marco Zero, Pamella conta como trouxe o movimento
antifascista de sua categoria para Pernambuco, quais as dificuldades para
organizar a classe em torno da causa e como o movimento se posiciona em relação
ao antifascismo e o Governo Federal.
O ato que marca a paralisação no estado acontecerá em frente ao
Centro de Convenções, em Olinda, e está marcado para as 8h. Os grupos farão uma
caminhada, com trajeto ainda a ser definido. É obrigatório o uso de máscaras
para se somar à manifestação.
Como o movimento de entregadores antifascistas chegou em
Pernambuco?
Quando comecei a trabalhar via
as condições e eu não consigo ficar calada, eu sou muito assim. Levando as
coisas para o pessoal, fui vendo que os clientes também reclamavam, até que eu
vi uma matéria de Galo (liderança paulista do movimento de entregadores
antifascistas), lá de São Paulo. Achei massa a questão do antifascismo e fui
falar com ele pelo Instagram: E aí, qual é a de vocês? Como é que está
acontecendo? Ele me passou o contato e me explicou. Gostei da ideia.
Pesquisei para ver se tinha alguma organização aqui em
Pernambuco e não tinha. Então, ele (Galo) perguntou “Bora expandir?”. Eu disse:
Bora! Eu já entrei no grupo da nacional para entender como era a articulação e
criei logo a página de Pernambuco no Instagram. Só que quando eu criei, o antifascismo
está muito presente e tem muita visibilidade, então a página foi logo subindo e
fazendo sucesso. Pessoas procurando, tanto repórteres como entregadores. E aí
eu vi que o negócio é sério.
Isso faz quanto tempo? Duas
semanas. E o Instagram já está com 575 seguidores.
Como vocês estão se organizando aqui em Pernambuco?
Esse trabalho é de formiguinha. Primeiro que a categoria tem o
pessoal que não gosta de política, tem de direita e tem esquerda. Quando a
gente fala do antifascismo, as pessoas já pensam que é algo somente contra o
governo federal e aí é muito difícil o convencimento. Só que a nossa pauta
maior é para a categoria, o antifascismo é parte da nossa ideologia porque
também somos seres pulsantes, sabe? Não só queremos aumento de taxas pelas entregas.
Queremos um Brasil democrático. Quem está de frente mesmo somos nós, um grupo
de sete pessoas, mas temos apoiadores que ajudam com quentinhas e outra coisas.
A gente se juntou com a Amape (Associação dos Motoristas de Aplicativo de
Pernambuco) e na primeira conversa tinha o problema de ser um ato político, mas
eu penso que um protesto ou movimento é sempre político.
Vocês se dizem antifascistas. Querem dizer que combatem o
fascismo do governo federal? Me diz o que é antifascismo para você…
Antifascismo é o recorte, a
ideologia de uma parte dos entregadores que aderiu à greve. Lembrando que a
greve é dos entregadores, por direitos e pela categoria, e o movimento dos
entregadores antifascistas se aderiu. A luta é permanente, contra as práticas
fascistas do governo federal e da população que está mostrando a cara.
Vocês encampam o “Fora Bolsonaro”?
Nós, entregadores
antifascistas, sim. Agora, os entregadores em geral não, querem apenas direitos
da categoria. Queremos algo além dos direitos, isso aqui é permanente.
Quando você começou a trabalhar como entregadora de aplicativo?
Eu era auxiliar administrativa
e tinha carteira assinada há mais de um ano na empresa até ser demitida no
começo da pandemia. Não tenho formação e comecei a entrar em aplicativos pra
poder ter uma renda e conseguir trabalhar, mas só o Rappi me aceitou de
primeira. Até hoje estou na fila de espera para trabalhar no iFood e na Uber.
Você falou que não tinha formação. No caso, é o ensino médio ou
graduação?
Isso. Eu faço entrega e estou fazendo
um pré-vestibular online para estudar e ver se eu consigo entrar na faculdade
sem ter que pagar.
Você quer tentar vestibular para qual curso?
Eu penso na área de educação física ou pedagogia.
Você trabalha quantas horas por dia?
Do começo da tarde até meia-noite. Eu como mulher não gosto de
passar muito da hora por questão de assédio, porque a gente acaba tendo que
lidar com gente que já está um pouco alterado e acaba ouvindo algumas
gracinhas. E aí eu vou até meia noite, no máximo. Até a União Brasileira de
Mulheres (UBM) entrou em contato comigo para dar algumas ideias e a gente está
conversando. Veio até uma ideia pra colocar em pauta. Isso ainda será
conversado, mas a ideia é de colocar um suporte no aplicativo para pedir ajuda
para qualquer coisa que acontecer com as mulheres entregadoras.
Vi que vocês têm chamado os entregadores para a paralisação nas
redes. Tem funcionado?
São poucas pessoas, a gente
está fazendo a mobilização mais na conversa. Quando vou entregar algo, encontro
quatro ou cinco entregadores, aí eu pergunto se estão sabendo da greve para
saber qual é a dessas pessoas. Só que, quando vamos falar com alguém, a gente
não começa diretamente com o antifascismo, primeiro nós falamos das pautas da
categoria. Aos poucos, a gente vai explicando que não é contra o Governo
Federal, mas sim em favor da categoria da gente. E que isso, o antifascismo, é
uma ideia e uma ideologia que temos. A galera da Amape não está somada aos
entregadores antifascistas, mas está na mobilização da categoria. O antifascismo
é um trabalho de formiguinha, de pouco em pouco. Na internet, tem muita
proporção porque é muita gente que entende e ajuda, mas entre os entregadores é
muita divisão. De pouquinho, a gente consegue juntar quem concorda, mas
realmente é bem difícil.
Os mais envolvidos são de alguma região ou bairro específico?
Não fizemos esse levantamento,
mas quando eles chegam até a gente, dizem de onde são. Geralmente, são de
Recife e da Região Metropolitana. Eu mesma sou de Jaboatão Velho, mas estou em
Santo Amaro porque vim morar com a minha namorada. Minha irmã ficou grávida e
vai se casar e tive que me mudar.
Qual é a maior reivindicação da paralisação de quarta-feira?
Não são só três como a da nacional, a gente botou pelo menos
oito e nelas têm o aumento de taxas de entrega, o aumento do valor mínimo das
corridas e o fim do bloqueio indevido, que é quando o aplicativo bloqueia o
entregador porque o cliente falou alguma coisa ou por alguma besteira e a gente
fica sem conseguir trabalhar. Seguro de vida também é uma pauta, porque a gente
é trabalhador e precisa de segurança. O aplicativo é a nossa empresa, a gente
não é empreendedor. Tem também o fim do sistema da pontuação. Vou dar um
exemplo para explicar o que é isso: temos os bairros de Imbiribeira e Ipsep,
mas você tem que ter tantos pontos para poder rodar neles. Se eu rodar em uma
semana e conseguir os pontos é o que vai determinar onde eu vou rodar na semana
seguinte. Eles fazem a gente trabalhar final de semana para na outra semana a
gente rodar em um lugar bom. Nós não estamos escolhendo nossos horários. Entre
outras pautas, estão reuniões com órgãos públicos ou suporte para contato
diretamente com os aplicativos. Agora, as reivindicações mais comentadas são os
aumentos dos valores e o fim do bloqueio.
Você disse que o falar tem sido mais fácil. Como é isso em
tempos de pandemia?
Para o ato a gente botou a
obrigatoriedade do uso de máscaras. Quem não for de máscara, não vamos deixar
ficar no meio da gente. Na questão da mobilização por conversa é porque quando
chegamos em um prédio cheio de entregadores, já pegamos contato de quem se
interessou e falamos no Whatsapp. Se encontrar, realmente, só no dia 1º.
Para além da mobilização, como vocês pretendem dar continuidade
ao movimento?
A gente primeiro está tentando
crescer. Após o ato, vamos ter registros e formas de se organizar na questão da
comunicação, porque o tempo é a maior dificuldade da gente. Estamos fazendo
enquanto trabalhamos. Ainda não sabemos quando é que a pandemia acaba e não dá
para ficar na rua sempre, mas a gente quer articular com os órgãos públicos e
também tem a possibilidade de conversa com os aplicativos. A gente é
trabalhador sem direitos, mas não pode existir isso no Brasil. A gente vai
atrás de leis e o que faz de fato a diferença, mas antes disso temos que
mobilizar. Vamos atrás do governo estadual, das prefeituras. Os governos têm
que se posicionar do nosso lado.
Vocês tem articulado com movimentos sociais ou partidos?
Não temos relação com nenhum partido, mas estamos conversando
com as meninas da UBM e também temos apoio da Ameciclo, que estão ajudando os
entregadores que usam bike, e dando kits de higiene com máscaras e álcool em
gel. Temos mais apoio, mas não algo mais articulado como é com a Amape e a UBM
que está trazendo essa questão da mulher.
As condições de trabalho dos empregadores de aplicativo foram
sempre precárias. Por que você acha que só agora surgiram esses levantes de
organização?
Com a pandemia os aplicativos
foram ganhando mais ainda, a gente vê isso com as corridas e com as pessoas
pedindo mais delivery. Com o aumento das corridas, as coisas diminuem para a
gente. Sabe quando uma empresa está ganhando muito e vai diminuir o do
trabalhador? Isso não existe. É só olhar na nossa pauta e você vai ver que os
aplicativos estão ganhando muito mais. O nosso trabalho sendo essencial, a
gente foi sentindo que pode sim reivindicar esse momento. É bem complicado, mas
a gente viu que somos sim importantes, as empresas ganhando mais, mas por nós
não fazem nada. Com a pandemia ficou muito difícil, porque as pessoas foram
demitidas. Eu entrei para entregadora porque fui demitida. Conheço, por
exemplo, donos de academia que também estavam rodando. Geralmente são pessoas
novas no ramo, aumentou o ramo, e o aplicativo quer diminuir nossos direitos.
Antes já existia, sim, uma luta só que ficou mais visível agora.
Pretendem se unir a outras categorias?
Sim. Estamos lutando agora pela
nossa categoria, mas quando formos conquistando nossas pautas pretendemos nos
juntas. Somos trabalhadores e isso é acima de categoria.
Como é ser mulher e entregadora de aplicativo?
É questão de, para cada oito entregadores, só tem uma mulher. A
gente vive no meio de vários homens e já não ficamos confortáveis.
Infelizmente, ainda vivemos em um país patriarcal e é bastante complicado para
nós. A questão dos clientes também, são muitos homens e uma vez eu fui fazer
uma entre às 23h e ouvi de um rapaz: “Eita! É uma boyzinha”. Algumas gracinhas
que são assédios, na verdade. A questão de ser mulher estar trabalhando de moto
também. Eu me sinto muito insegura à noite, porque infelizmente é mais fácil
roubar uma mulher na moto do que um homem. Ainda somos vistas como mais fracas
e mais fáceis de pegar e toda essa visão da mulher. Tenho medo e, enquanto
amigos meus ficam até 2h trabalhando, eu me boto um limite. Daí eu acabo
trabalhando menos.
Teus companheiros de categoria te respeitam?
Sabe aquele jeito bem “amigão”?
Eu chego assim para falar. Porque já teve vezes em que fui falar e deram em
cima de mim. Você vai falar no local de trabalho e a pessoa quer saber mais,
são coisas assim. Essa questão é porque, infelizmente, não levam a mulher a
sério. Se fosse um cara era tipo “não, amigão”. Por isso eu tento sempre chegar
assim bem mais grossa no modo de falar, mas sem grosseria. O que eles acham,
acham massa, mas não me respeitam como respeitam um Galo.
Esqueci de perguntar a sua idade.
Tenho 21 anos. Mulher negra,
periférica…
Politicamente, você quer se identificar como lésbica?
Se achar bom ir para o texto. Pode colocar, sim, sem
problemas.
(Fonte: Marco Zero)
[Foto: Pedro Caldas]
A luta e o afeto dão cor à vida https://bit.ly/3eQE5WQ
Nenhum comentário:
Postar um comentário