Os abusos que podem colocar em risco o Ministério Público
Luis
Nassif, no Jornal GGN
Ministério
Público Federal é um poder intemporal, que independe de governos ou de meras
situações conjunturais. Desde a Constituição de 1988 transformou-se em
salvaguarda dos direitos sociais e individuais, um esteio na luta civilizatória
– apesar dos exageros cometidos em alguns momentos da história.
Por
ser intemporal, tem não apenas o dever funcional, mas a responsabilidade
institucional de manter-se neutro, de não exorbitar de seus poderes, de não
embarcar em ondas, de não se comportar como um partido político.
Pelo
fato de haver garantias constitucionais de independência de atuação do
procurador, cada qual é responsável direto pela imagem, pela credibilidade e
pela garantia de independência futura do órgão. E essa garantia está
diretamente relacionada com a capacidade do órgão – através de suas associações
e de seus órgãos de controle – de não permitir o uso desmedido da força.
***
Por
tudo isso, não se compreende como um procurador novato, Valtan Furtado, com
histórico de pouca assiduidade ao trabalho, consegue se apropriar de um caso
delicado, e abrir uma ação preliminar de investigação contra o
ex-presidente Lula, com repercussão nacional e internacional.
O
caso estava nas mãos de uma procuradora, que admitiu ter pouca consistência e
solicitou um prazo de 90 dias para despachar. Nesse ínterim, tira dez dias de
férias, e sabe-se lá porque artes da burocracia, o tal Valtan se apossa do
processo e abre a ação.
Foi
uma medida extremamente abusiva e com agravantes.
Primeiro,
pelos motivos invocados.
Segundo
ele, Lula é suspeito de ter influenciado agentes públicos de outros países, em
favor da Construtora Odebrecht. A Procuradora lança suspeitas sobre atividade
exercida por praticamente todos os ex-presidentes de países desenvolvidos,
sobre um trabalho de lobby legítimo praticado por George Bush pai e filho, por
Bill Clinton, Tony Blair.
Crime
é autoridade pública valer-se de seu cargo para influenciar decisões em seu
próprio país. Como criminalizar a atuação de um ex-presidente, sem cargo
público, influenciando autoridades de outros países em favor de uma empresa
brasileira?
E
o que seria essa influência? As “evidências” divulgadas ontem pelos jornais são
ridículas:
1.
Na viagem para Cuba, Republica Dominicana e Estados Unidos, em
janeiro de 2013, Lula foi acompanhado pelo ex-diretor de Relações
Institucionais da Odebrecht Alexandrino Alencar. Onde o crime?
2.
A empresa teria pagado as despesas de voo do ex-presidente, mesmo
não sendo uma viagem de trabalho para a empreiteira. Ora, Lula viajou na
qualidade de ex-presidente, sem nenhum cargo público. Qual a irregularidade? (http://migre.me/qNnZm).
3.
Lula é acusado de usar sua influência para facilitar negócios da
Odebrecht com governos estrangeiros (http://migre.me/qNo2m).
Não
se fica nisso. O tal Valtan quer comprovação de que Lula de fato fez palestras
nesses países, para justificar o pagamento de cachês.
***
Contra
qualquer outra pessoa, esse tipo de procedimento seria abusivo. Contra um
ex-presidente da República – seja ele FHC ou Lula – denota uma absoluta falta
de limites e de respeito institucional.
É
falta de respeito com os milhões de brasileiros que votaram em Lula, e falta de
respeito com o próprio país, na medida em que Lula tornou-se a personalidade
pública brasileira internacionalmente mais conhecida. E falta de respeito em
relação ao próprio MPF, ao comprovar que qualquer procurador sente-se à vontade
para investir até contra ex-presidentes, armados de argumentos inconsistentes.
Não
se pode banalizar de forma tão extremada o poder individual de um Procurador.
A
incapacidade da corporação de coibir essas demonstrações de poder constitui-se
em veneno na veia do MPF.
Procuradoras
passam, o MPF fica. E seus inimigos também.
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