Meus 41 anos
Rafaele Ribeiro
Ela acordou naquele dia
completamente feliz; afinal, comemorava mais um aniversário. Recebeu do marido
um baita café da manhã e dos filhos, Augusto e Francisca, muitos beijos e um
Caroline Herrera, marca que tanto amava.
Seu dia começou pra lá de
animado: após o recheado café, seguiu com a família em direção ao aeroporto do
Recife, pois tinha acabado de ganhar do amado um jantar no Alfredo di Roma,
restaurante lindíssimo, ambiente requintado e comida italiana, em Salvador.
A família seguiu de taxi até ao
Vila Galé, luxuoso hotel e de muito bom gosto, por sinal, próximo ao Farol, na
Barra.
O dia seguia perfeito: escutava
¨The Piano Guys¨, deitada na espreguiçadeira do hotel, usando seus famosos
óculos Gucci e chapéu aba larga protegendo todo seu rosto, que aliás, já estava
bem protegido de tanto protetor solar que havia passado.
As crianças se divertiam com o pai
na piscina. Realmente, o dia não poderia estar melhor.
Ao anoitecer, ela resolveu
iniciar a produção. Precisava ficar belíssima! Era seu aniversário, seus 41
anos! Olhou-se no espelho durante 10 minutos, não se sentiu feia, mas
reconheceu que estava um pouco flácida...desejou seios mais firmes.
Bom, bola pra frente! Abriu a mala e procurou
a linda calça Oxford, cor caqui, a qual havia escolhido para a ocasião. Só
tinha um detalhe nisso tudo: a peça havia sido comprada há dez anos. Mas e daí?
Ainda cabia nela e estava em perfeito estado. Vestia tão bem...é certo que ficaria
encantadora.
Pôs o primeiro pé, logo depois,
o segundo, com muito esforço, subiu a calça até o quadril e lá iniciou uma
travada batalha, típica de gladiadores medievais (ela x calça): puxava pelo
passante, pelo pequeno zíper lateral, pelos botões frontais...nada. Ela não se
movia. Desgraçada! O marido, sempre muito atencioso, resolveu dar aquele empurrãozinho
(nessas horas, faz-se tão necessária a força masculina) ele sentou defronte pra
ela e resolveu baixar a calça para subi-la de vez...aff... ela quase dá na cara
dele! Vinte longos minutos perdidos! Um tempão para subir até o quadril e tudo
perdido! Graças a ele que em 3 segundos baixa toda a bendita, crendo que iria
subir assim tão depressa... tão inocente..só queria ajudá-la. Ela pede pra ele
sair e inicia o processo da subida até o quadril. Teve uma ideia: resolveu passar
óleo nas pernas e quadril. Sim, agora, ela ia subir. Dessa vez mais facilmente.
Não ia demorar essa eternidade. De fato, não se esforçou muito e a calça voltou
a moldar seu corpo. Orgulhosa,saiu ao encontro da família que a esperava.
Já no táxi, o cheiro de talco
do aromatizante do carro a fez espirrar, um leve espirro e pluft, abriram-se os
botões frontais. Ela respira fundo. Não quer trocar de roupa. A calça ainda
está presa. Calmamente, pede ao taxista que siga para Ondina.
Caminhava de nariz empertigado,
majestosa, segura de si, pois a calça resistia firme e forte desenhando seu
corpo. O marido afasta duas cadeiras para as crianças e outra para ela, que ao agachar-se,para
sentar, escuta o indesejável som do zíper lateral se abrindo na costura. Seu rosto
empalidece e o coração bate a mil por hora. Os céus estão contra ela, só pode!
Deveria ter lido o horóscopo, sem dúvida, aquele não era seu dia! Havia uma
conspiração dos astros para celebrar sua infelicidade! O cérebro não para de
pensar. O garçom traz a entrada, uma bruschetta Alfredo, ela mal sente o sabor,
engole. Quer resolver esse problema. O marido conversa, as crianças falam de
Frozen e Disney; ela nem os escuta. Pensava em como sair dali, naquele estado.
A sorte era a blusa que cobria a cintura e não mostrava toda aquela humilhação.
O restaurante estava lotado. Finalmente, antes do prato principal, decide ir ao
banheiro; assistiu tanto MacGyver...também era desenrolada. Ia dar um jeito!
Procura qualquer coisa que prenda a calça à cintura. Olha o enxaguante, as
plantas, o fio dental...de repente lhe vem uma grande ideia e ela puxa metros
de fio dental, dá logo umas 3 voltas na cintura,amarra bem, baixa a blusa e
segue pomposa desfilando por entre as cadeiras e mesas do Alfredo di Roma, com
seu cinto improvisado feito a base de fio dental.
Ao avistar a mãe (criança não
se segura, todo mundo sabe disso) Francisca corre ao seu encontro, a mãe para e
tenta segurar os braços da menina, temendo o pior...tarde demais. A criança lhe
abraça as pernas e puxa, involuntariamente, a dita calça, que não resiste ao
puxão, e logo desliza pelas pernas, com ajuda de todo aquele óleo, deixando a
aniversariante só de calcinha, em pé, no meio do restaurante... a música para,
os clientes olham, ela enrubescida que nem uma casca de maçã, explode de choro
diante de tanto vexame e sai, arrasada, correndo porta afora.
Fica a dica: nem sempre dar uma
de MacGyver é a solução do problema. Às vezes, o ideal, é evitá-lo, antes mesmo
de ele surgir.
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