"O TSE ignorou a Constituição", afirma Dalmo Dalari
Em entrevista ao Portal Vermelho, o jurista e professor emérito da
Universidade de São Paulo, Dalmo de Abreu Dallari, classificou como
“surpreendente e lamentável” a decisão
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de reabrir a análise de ação apresentada
pela oposição tucana para tentar a cassação dos mandatos da presidenta
Dilma Rousseff e do vice Michel Temer.
Por Dayane Santos, no
Vermelho www.vermelho.org.br
“É surpreendente e lamentável que os julgadores tenham ignorado a
Constituição. É surpreendente e lamentável que os ministros tenham se deixado
influenciar por fatores não jurídicos porque, de fato, essa decisão contraria
frontalmente disposições constitucionais”, defendeu Dallari, que é considerado
um dos principais juristas brasileiros.
Para o professor, a decisão do TSE é resultado da influência “dos
fatores políticos ou pelo espetáculo que, infelizmente, a imprensa tem
proporcionado”.
Afronta à Constituição
De acordo com a sua análise, a decisão não encontra fundamentação
jurídica. Segundo ele, a alegação de que ocorreram supostas irregularidades ou
fraudes no processo eleitoral não pode ser utilizada como argumentação para
ação de impugnação de mandato.
“Cito dois artigos da Constituição que foram ignorados pelo tribunal. Um
deles é o artigo 86º, parágrafo 4º, que trata precisamente da responsabilidade
do presidente, diz expressamente que o presidente da República não responde por
atos estranhos ao exercício de suas funções. Então, só pode ser aplicada tal
sanção referente aos atos que ele tenha praticado já como presidente”,
argumenta.
Segundo Dallari, seguindo a lei, a alegação de suposta irregularidade no
processo eleitoral se refere a “atos estranhos ao exercício da função
presidencial, portanto, está excluída a hipótese de utilização daqueles fatos
como base de fundamento jurídico para um processo de impeachment”.
O jurista salienta outro ponto fundamental que, para ele, evidencia a
violação constitucional. “Os julgadores ignoraram o que está escrito expressa e
claramente no artigo 14º, parágrafo 10º, da Constituição, que diz que a
impugnação do mandato deverá ser feita até 15 dias contados da diplomação.
Evidentemente que não tem mais cabimento essa invocação”, aponta o professor.
E completa: “Por todas essas razões e tendo em conta o que a
Constituição expressamente dispõe, eu realmente fiquei surpreendido, pois
alguns dos julgadores têm boa reputação e se pressupõe que eles respeitem a
Constituição”.
Inconformismo com a derrota nas urnas
A base de argumentação da ação proposta pelo PSDB, legenda derrotada nas
urnas em 2014, é a de abuso de poder econômico por uma suposta ligação das
contas de campanha da presidenta com as investigações da Operação Lava Jato. O
ministro Gilmar Mendes, defensor da mesma tese, defendeu a reabertura com base
nessa justificativa.
“Acho que mais uma vez, o ministro Gilmar Mendes ignorou completamente
os elementos jurídicos. Ele tem feito isso muitas vezes. Se realmente ele
levasse em conta esses dispositivos da Constituição, não usaria essa
argumentação porque a Constituição exclui”, enfatiza Dallari. E acrescenta:
“São argumentos frontalmente contrários a dispositivos constitucionais. Não tem
consistência jurídica a argumentação do ministro Gilmar Mendes”.
A hipótese de abuso do poder econômico é uma das três condições para
abertura do processo de impugnação de mandato. Trata-se da ação de falsidade,
fraude e coação que tenha sido fator preponderante para o desequilíbrio da
disputa eleitoral ou um benefício irregular usufruído por um candidato em
detrimento dos demais.
Fatos
Como diz o velho ditado: contra fatos não há argumentos. O PSDB, nas
eleições de 2014, recebeu R$ 53,73 milhões de empreiteiras citadas na Operação
Lava Jato, como Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Camargo Correa, OAS, Galvão
Engenharia, UTC, Odebrecht e Setel. No caso do PT, as doações totalizaram R$
56,8 milhões. Onde cabe o abuso de poder diante de tal equivalência?
Além disso, partindo da tese tucana que fundamentou a reabertura da
ação, as doações de campanha por empreiteiras investigadas feitas ao PSDB
também deveriam estar sob suspeita.
Vale lembrar que as delações do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor
da Petrobras Paulo Roberto Costa dão conta de que houve pagamento de propina a
parlamentares para obstruir as investigações da Comissão Parlamentar de
Inquérito da Petrobras nos anos de 2009 e 2010.
Além disso, outro delator, Fernando Baiano, preso na Operação Lava Jato,
teria intermediado o pagamento de propinas para obstruir o regular
funcionamento de Comissão Parlamentar.
Vazou, inclusive, um vídeo do depoimento de Paulo Roberto Costa dando
detalhes de como ocorreu a negociação com o falecido senador e presidente nacional
do PSDB, Sérgio Guerra, para o pagamento dos R$ 10 milhões exigidos para
“abafar” a CPI. Segundo as “investigações” do juiz Sergio Moro, esse montante
foi pago pela empreiteira Queiroz Galvão.
Apesar de fazer conexões subjetivas, ou seja, sem nexo com a realidade,
para criminalizar o PT e tentar dar um golpe contra o mandato da presidenta
Dilma, não vemos a mesma conexão diante de fatos reais. Isso porque no dia 11
de novembro de 2009, os três senadores de oposição, Sérgio Guerra (PSDB-PE),
Álvaro Dias (PSDB-PR) e ACM Júnior (DEM-BA) deixaram a CPI acusando a Petrobras
de comandar uma “operação abafa”.
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