Ignorância ou má fé na avaliação da Petrobras
José Carlos de Assis
O “Correio
Braziliense” publicou no último 14 de outubro uma reportagem na qual supostos
especialistas em petróleo - Demetrius Borel Lucindo, da DMBL, e Adriano Pires,
do Centro Brasileiro de Infraestrutura – sustentam com base em dados e
conceitos totalmente equivocados a tese de que a Petrobrás, “se não tivesse o
Governo por trás”, estaria falida ou teria de ser vendida. Não fosse a situação
caótica por que passa o país, no qual prolifera o besteirol técnico com
propósito de manipulação política, a reportagem seria irrelevante.
Contudo, os
leitores do “Correio” merecem saber que não há absolutamente nada na reportagem
que reflita a realidade da Petrobrás. Desde o título – Dívida a Petrobrás passa
de meio trilhão de reais – até a aritmética que compara essa dívida à geração
de caixa, tudo não passa de ilações grosseiras com números manipulados ou
ignorados. É verdade que a Petrobrás tem uma dívida elevada – R$ 324 bilhões de
dívida líquida no primeiro semestre, segundo dados oficiais -, o que é
perfeitamente compatível com a geração de caixa
A receita
líquida (EBITDA ajustado) no mesmo semestre foi de R$ 41 bilhões. Admitindo-se
que se tenha o mesmo resultado operacional no segundo semestre, chega-se a um
valor anual de R$ 82 bilhões. Em consequência, caso a Petrobrás suspendesse
seus investimentos – algo que não deve fazer de forma alguma -, ela teria
capacidade de pagar sua dívida em cerca de quatro anos. Será essa a empresa que
os “especialistas” Lucindo e Pires querem quebrar, talvez pretendendo
entregá-la aos grandes abutres internacionais?
Em relação à
dívida, contudo, o mais importante nem é o potencial de pagamento a curto prazo
- na medida em que a empresa tem fontes de financiamento disponíveis a prazos
muito mais longos, inclusive na China -, mas a contrapartida dela, ou seja, o
gigantesco ativo criado com os empréstimos tomados. Foi graças em grande parte
à dívida que a Petrobrás descobriu e está desenvolvendo as reservas
petrolíferas do pré-sal. E o montante recuperável dessas reservas colocam a
Petrobrás na vanguarda da produção petrolífera no mundo.
De fato, a
empresa detém 65% das reservas provadas de cerca de 10 bilhões de barris do
campo Tupi, 100% de 10 bilhões de reservas de Búzios (cessão onerosa),
100% de 6 bilhões de barris de Carcará (também cessão onerosa), 40% de 15
bilhões de reservas de Libra, 60% das reservas de 4 bilhões de barris de Iara,
60% de 2 bilhões de barris de Sapinhoá, 70% de 6 bilhões de barris de reservas
na área das Baleias no Espírito Santo. Assim, considerando outros campos menores,
as reservas da empresa se elevam, conservadoramente, a 48 bilhões de barris.
O que
significa, em dinheiro, 48 bilhões de barris de petróleo retirados de reservas
brutas com um fator de recuperação de 35% - que é conservador, dado que a
Petrobrás já opera com um fator de recuperação acima disso no pré-sal? Com o
barril do petróleo a 50 dólares, dado que ninguém prevê um preço abaixo disso
no futuro, são 2 trilhões e 400 bilhões de dólares, algo que, comparado à
dívida da Petrobrás, a coloca numa situação patrimonial invejável, e
perfeitamente administrável do ponto de vista operacional e de solvência.
Os
investimentos da Petrobrás, parte por geração de recursos próprios, parte por
empréstimos, fizeram com que suas reservas de petróleo – dela e não da União -
ultrapassassem, em muito, as reservas de importantes petrolíferas mundiais como
Shell, Exxon Mobil e BP. O indicador mais relevante para as empresas
petrolíferas é justamente a relação entre a dívida e as reservas de petróleo.
Atualmente, apenas a Exxon Mobil apresenta uma relação entre dívida e reserva
menor do que a Petrobrás. Isso demonstra o equívoco da análise apresentada no
artigo quando considera apenas o valor absoluto da dívida.
É importante
assinalar que o verdadeiro valor referente ao volume recuperável de reservas da
Petrobrás de, pelo menos, 48 bilhões de barris não está lançado nos registros
contábeis da empresa. Dessa forma, o patrimônio líquido está subavaliado. Estão
lançados apenas os custos de exploração e produção desse volume, que são muito
baixos em relação ao valor real do ativo. Além disso, é óbvio que esse
grande volume a ser produzido fará com que a geração de caixa da empresa seja
maior que os R$ 353 bilhões estimados no próprio artigo.
Considere-se
ainda que mesmo esse baixo valor de R$ 353 bilhões é muito maior que o valor
dos financiamentos que vão vencer até 2018, da ordem de R$ 160 bilhões. A
conclusão dos dois “especialistas” deveria, portanto, ser outra: a Petrobrás
tem, sim, geração de caixa suficiente para pagar suas dívidas, e até fazer
outras. Outro equívoco do artigo é mencionar que os custos administrativos,
como a folha de pagamentos, não estão considerados no valor de R$ 355 bilhões.
Isso é um erro grosseiro dos “especialistas”, já que tais custos são considerados
no cálculo da receita (EBITDA).
Também não é
verdade que o custo de capação da Petrobrás está em 13% em dólar. Em junho de
2015, a empresa captou US$ 2,5 bilhões em notas globais com prazo de 100
anos no mercado internacional. Esse papéis saíram com um rendimento para o
investidor de 8,45% ao ano e um cupom de 6,85% ao ano. Registre-se que a
demanda pelos títulos chegou a US$ 13 bilhões, o que indica que o
rendimento poderia ter sido até menor. Também é importante notar que a taxa
interna de retorno dos projetos de exploração e produção da Petrobrás é de
cerca de 25%, algo que justifica plenamente a tomada de dívida para
investimentos.
A Petrobrás
foi e continua sendo a empresa mais lucrativa do Brasil. Assim, não fazem
sentido as alegações dos dois “especialistas” segundo as quais a empresa só não
entrou em recuperação judicial porque tem o governo brasileiro por trás; ou,
ainda, que se fosse privada teria falido. De fato, de 2006 a 2013 os lucros
médios da Vale e da Petrobrás foram, respectivamente, de R$ 17,9 bilhões e R$
27,8 bilhões, com ampla vantagem para a Petrobrás. Além disso, no ano de 2015,
a empresa conquistou o mais importante prêmio internacional na área da
indústria petrolífera mundial.
Portanto,
confundir a Petrobrás com os bandidos que ocuparam parte de sua governança por
um tempo, suscitando a investigação-espetáculo da Lavajato que a fragilizou sem
necessidade, é um insulto à inteligência do povo brasileiro que não pode se
deixar manipular pelos oportunistas, internos e externos, que querem
assaltá-la, assim como às reservas de petróleo do Brasil, cobiçadas
mundialmente. As alternativas de engavetamento do pré-sal e da venda de ativos
citadas pelos dois “especialistas” para contornar a crise circunstancial a
empresa são meros pretextos para a entrega dos recursos naturais do país a
empresas estrangeiras.
Certo, a
Petrobrás passa por uma crise, mas ela não se deve primariamente a suas
condições econômicas. É uma crise de liquidez, que se resolve com relativa
facilidade. Isso pode ser feito, por exemplo, dentro das linhas do projeto
Requião sobre a reestruturação do setor petróleo, que está sendo relatado no
Senado pelo senador Marcelo Crivella. De acordo com esse projeto, o Tesouro,
repetindo um expediente adotado em 2009 e 1010, injetaria na Petrobrás os
recursos necessários para que volte ao nível de investimento em outubro de
2014. Outra alternativa seria recorrer ao Banco dos BRICS ou, mesmo, a um
empréstimo direto da China. Em qualquer hipótese, será necessário uma faxina em
regra na governança da Petrobrás.
Recorde-se que
quando o Primeiro Ministro chinês, Li Keqiang, esteve recentemente no Brasil
foi anunciado que a China disponibilizaria uma linha de crédito para o país,
através da Caixa Econômica Federal, de US$ 50 bilhões de dólares. Acho que o
Governo, mergulhado na crise política, esqueceu-se desse dinheiro, não tendo
proposto, que eu saiba, um único projeto para mobilizá-lo. Creio que não há
hora mais apropriada para direcioná-lo para a Petrobrás a fim de que ela
recupere sua capacidade de investimento e irrigue financeiramente a cadeia
produtiva do petróleo, salvando nesse mesmo movimento os fornecedores, as
construtoras contratadas e as prefeituras das áreas petrolíferas que estão
quebrando Brasil afora.
*Em
coautoria com Paulo César Lima - Ex-engenheiro da Petrobrás, atual
assessor legislativo do Congresso Nacional
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