Raimundo
Carrero*, no Diário de Pernambuco
Não
eram apenas projetos culturais; eram projetos de vida. Pertenciam ao sangue e
ao coração, cravados na carne e no sangue. Por vezes chamados de “quixotescos”
– referência direta aos sonhos de Dom Quixote -,mas verdadeiros e realistas com
dignidade e força, de forma a modificar a interpretação do mundo.
Estou
falando de Ariano Suassuna e de Hermilo Borba Filho, cujas obras revolucionam a
inteligência pernambucana no século 20 e começo do século 21, dando-nos uma
relevância
intelectual poucas vezes vista entre nós. Tinham, no entanto,
propostas estéticas opostas para objetivos comuns.
Conheceram-se
ainda jovens na Faculdade de Direito do Recife, onde logo compreenderam que
podiam reunir forças para alcançar grandes resultados. Junto com outros amigos
decidiram criar o Teatro do Estudante de Pernambuco para leituras, debates e
exibição de peças teatrais de qualidade aos jovens e ao povo do estado através
da Barraca, Espécie de circo de lona que podia ser armada em fábricas, escolas
e praças, o que foi feito com grande êxito, seguindo a experiência espanhola de
Federico Garcia Lorca. Era o embrião de todo o que seria realizado pela vida
fora. Tornaram-se grandes nomes nacionais.
Na
década de 1960 solidificaram no Recife o Teatro Popular do Nordeste com
exibição de grandes espetáculos na Avenida Conde da Boa Vista, também
transformado em bar e restaurante, templo da esquerda pernambucana, mas com
alguma distinção estética entre os dois.
Hermilo
preconizava uma estética de forte conteúdo político-social, além de pessoal,
com base na cultura popular ,sem perder de vista o clássico e o tradicional,
além de uma larga
experiência de vida, de modo a trazer para o texto e para o
palco os tormentos mundanos, as inquietações sociais e as aflições sexuais.
Tornou-se adepto de Henry Miller, de quem escreveu uma magnífica biografia.
Tudo isso revelado, por exemplo, na tetralogia Um cavaleiro da segunda
decadência, nas peças e nos ensaios, além de outras obras exemplares.
Ariano
teve por objeto estético as manifestações populares, realizado com requinte e
sofisticação formal, numa linguagem elaborada, ainda que considerando os
conflitos internos e as confissões sociais. Veja-se, por exemplo, O Movimento Armorial,
cuja principal orientação era e é a realização da uma obra erudita com base nos
símbolos e insígnias da cultura popular.
* Escritor e jornalista
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