O governo interino de Michel Temer surgido da conspiração por meio de um
golpe de Estado, conduzido por agrupamentos conservadores, retrógrados e
fascistizantes, só podia ser horrível – não deu outra.
Por Renato Rabelo*, em
seu blog
Deslindou uma virada à direita, que traz a opacidade dos tempos sombrios
da nossa história, revelando-se por inteiro e de forma acelerada. Espelha a
cara da trágica Sessão da Câmara do dia 17 de abril, já de triste memória, que
deu a arrancada para o golpe.
Governo interino, imposto como definitivo - Este governo interino procura
desenfreadamente desmontar o que encontra de feição democrática,
desenvolvimento social e avanço progressista. Esta
é a causa comum de um
governo formado por grupos heterogêneos, retrógrados, revanchistas. O curso
golpista iniciou-se por uma conspiração, logo após a reeleição da presidenta
Dilma Rousseff, passou pela busca de convergência operacional, a via a ser
seguida, e conformou uma coalizão que se uniu pelo impeachment da presidenta da
República, sendo a forma institucional encontrada para encobrir o golpe de
Estado.
Esse processo de impedimento fraudado, na sua causa e na sua origem,
teve sua voz cantante entoada pelo PSDB e como agente deflagrador o presidente
da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, expressão da direita atual, montado no
apelidado “Centrão” (composto por mais de 200 deputados), agora chamado “Frente
Ordem e Progresso” (sic), sob seu domínio e controle. Todo consórcio
oposicionista anti-Dilma e antagônico à “era Lula” se valeu desse inestimável
serviço sujo para responder ao seu desiderato, valendo-se assim de um exímio
calculista das negociatas políticas, que, em contrapartida, tudo fazia e faz
para se blindar de múltiplos processos judiciais no seu lombo, na PGR e no STF.
Seguindo essa trajetória pode-se destrinchar a resultante dessa trama
institucional-midiática-golpista, sob o beneplácito da justiça suprema. O
governo provisório de Temer, para eles, já não tem o adjetivo de interino, é
definitivo. Este governo é resultante de um conluio das forças de direita,
conservadoras e fundamentalistas, em proveito dos grandes círculos financeiros
e empresariais e por uma plutocracia arrogante. O seu formato responde ao
resultado de uma operação institucional de exceção,
que descambou para um tipo
de golpe parlamentar, apoiado na mobilização midiática da classe média
tradicional, convertendo-se em verdadeira eleição indireta, inconstitucional,
para presidente da República.
Governo interino sob a hegemonia de Eduardo Cunha - Por isso, a divisão do bolo é feita entre os
parlamentares pró-impeachment, porquanto não é um governo eleito nas urnas. O
presidente interino deve sua “eleição” a eles, revelando ser um governo
heterogêneo, de poderes repartidos, de domínios demarcados, donde Eduardo
Cunha, mesmo afastado, mantém sua influência dominante. Com indicações
significativas no governo, e no acerto de contas, continua como credor
infinito. No Senado, agora na fase de julgamento, esse governo provisório,
dependente dos votos dos senadores, controla-os passo a passo para garantir
seus dois terços decisivos. Vale tudo pelos dois terços, eis a excrescência
indecente. Na visão do governo interino o “julgamento” no Senado é somente uma
disputa política cabal. Também o STF aparenta seguir a mesma linha. E, agora,
já feita a divisão do botim e com todo poder executivo nacional sob o ditame do
“novo” governo, tornar-se-á para eles uma batalha de ganho garantido e
definitivo.
No entanto, o governo interino — que assume despoticamente como se fosse
definitivo com grande desenvoltura — põe em reverso as conquistas avançadas.
Como previsto já demonstra mais cedo do que se esperava um retrocesso de
décadas e revela sua catadura arbitrária, preconceituosa, odienta. Na condição
de usurpador do poder age desmontando o governo anterior sacrificando as
conquistas sociais e populares, longe dos avanços culturais e democráticos na
sociedade e das conquistas de gênero. Na sua prepotência chega a sitiar a
presidenta Dilma Rousseff no Palácio da Alvorada e limita seu acesso, aplicando-a
insólita censura.
A sua equipe econômica do governo interino dita fiscalista, se prepara
para um “choque fiscal”, ou seja, somente através de corte drástico de
despesas, evidentemente atingindo saúde, educação e programas sociais é que
pode trazer o crescimento. Indica que tudo pode ser privatizado, volta o
conceito de Estado mínimo e desconstituição de uma economia nacional. A
política externa vigente de inserção soberana no contexto internacional,
integração com os nossos vizinhos da região, parcerias estratégicas em função
de um mundo multipolar, vai sendo revertida pela velha política da classe
dominante vende-pátria, onde o Brasil volta a ter um papel secundário se
realinhando às grandes potências capitalistas-imperialistas.
Presidenta Dilma – símbolo da luta democrática - Em contraste a resistência cresce e se
amplia, as manifestações se multiplicam, se estende a frente anti-Temer,
incorporando camadas que antes lutavam pelo impeachment da presidenta Dilma. As
ruas já são ocupadas por seguidas manifestações contra o golpe. O presidente
interino se refugia nos gabinetes em Brasília, enquanto a presidenta Dilma é
mais e mais ovacionada nas ruas. Sinal de que algo de podre existe na
presidência golpista. Esta demonstra vacilação, recuos, ausência de um rumo definido.
Tudo isso se reflete em maior turbulência institucional, provoca maior
incerteza em crescentes segmentos da sociedade e, sobretudo, se eleva a repúdio
nas fileiras democráticas.
Desnuda-se
em face da nova situação a ilegitimidade da operação golpista que derrubou a
presidenta Dilma. É uma unanimidade na imprensa internacional, de
personalidades em vários países, de presidentes da OEA e da UNASUL, de que a
presidenta da República foi apeada do poder por uma via de exceção e negação do
Estado democrático de direito. A presidenta Dilma vem se transformando num
símbolo da luta pela democracia e vítima de grande injustiça, por que não
praticou nenhum crime de corrupção em beneficio próprio, sendo ao reverso
condenada por uma
horda de detratores, estes sim envolvidos em processos de
vários delitos de corrupção. O golpe pode ser revertido, apesar da trama da
classe dominante e do grande aparato de poder ao seu dispor.
A
volta da presidenta Dilma ao posto presidencial não seria uma simples
continuidade. Conforme ela indica seria sustentada pelo programa que a elegeu
em 2014, revalidado diante das lições retiradas em um ano e meio de governo e
em resposta às exigências atuais, contrastando com a agenda regressiva imposta
pelo governo interino. E, acrescento eu, ela se comprometeria em propor um
Plebiscito remetendo à decisão do desfecho democrático à soberania popular, que
se pronunciaria pelo SIM ou NÃO da antecipação da eleição presidencial. Uma
causa justa pela defesa da democracia e do avanço civilizatório, assumida pelo
povo, pode vencer a injustiça e o autoritarismo dominantes.
*Renato Rabelo é foi presidente e
vice-presidente nacional do PCdoB. Atual presidente da Fundação Maurício Grabois
(FMG).
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