O PAÍS ACORDOU HOJE com a
notícia das secretas e chocantes conversas envolvendo um importante ministro do
recém-instalado governo brasileiro, que acendem uma luz a respeito dos reais
motivos e agentes do impeachment da presidente democraticamente eleita, Dilma
Rousseff. As transcrições foram publicadas pelo
maior jornal do país, a Folha de São Paulo,
e revelam conversas privadas que aconteceram em março,
apenas semanas antes da votação do impeachment na Câmara. Elas mostram
explícita conspiração entre o novo Ministro do Planejamento, Romero Jucá, e o
antigo executivo de petróleo Sergio Machado – ambos investigados pela Lava Jato
– a medida em que concordam que remover Dilma é o único meio para acabar com a
investigação sobre a corrupção. As conversas também tratam do importante papel
desempenhado pelas mais poderosas instituições nacionais no impeachment de
Dilma, incluindo líderes militares do país.
As transcrições
estão cheias de declarações fortemente incriminadoras sobre os reais objetivos
do impeachment e quem está por trás dele. O ponto chave da conspiração é o que
Jucá chama de “um pacto nacional” – envolvendo as instituições mais poderosas
do Brasil – para empossar Michel Temer como presidente (apesar de seus
múltiplos escândalos de corrupção) e terminar com as investigações uma vez que
Dilma fosse removida. Segundo a Folha, Jucá diz que o
Impeachment levaria ao “fim da pressão da imprensa e de outros setores pela
continuidade das investigações da Lava Jato.”
Não está claro
quem é o responsável pela gravação e pelo vazamento da conversa de 75 minutos,
mas a Folha reportou que elas
estão atualmente nas mãos do Procurador Geral da República. Jucá é líder do PMDB, partido do presidente interino
Michel Temer, e um de seus
três homens de confiança. Novas revelações serão provavelmente divulgadas nos próximos dias,
tornando mais claras as implicações e significados destas transcrições.
As transcrições
contêm duas revelações extraordinárias que podem levar toda a imprensa a
considerar seriamente chamar o que aconteceu no pais de “golpe”: um termo que
Dilma e seus apoiadores vem usando por meses. Quando discutia a conspiração
para remover Dilma como um meio de finalizar a Lava Jato, Jucá disse que as
forças armadas do Brasil apoiam a conspiração: “Estou conversando com os
generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão
garantir.” Ele disse ainda que os militares “estão monitorando o MST,” o
movimento rural de trabalhadores que apoia os esforços do PT pela reforma
agrária e redução da desigualdade, e que liderou protestos contra o
impeachment.
A segunda
revelação – e talvez mais significante – é a declaração de Jucá de que
assegurou o envolvimento de juízes na Suprema Corte do Brasil, a instituição
apontada pelos defensores do impeachment como salvaguarda da credibilidade do
processo e utilizada para negar a teoria do golpe. Jucá afirmou que “tem poucos
caras [no STF]” a quem ele não tem acesso. O único ministro da Suprema Corte
que ele alega não ter contato é Teori Zavascki, que foi apontado por Dilma e de
quem – notavelmente – seria impossível obter apoio para barrar a investigação
(a ironia do impeachment é que Dilma protegeu a investigação da Lava Jato da
interferência daqueles que querem impedi-la). As transcrições também mostram
ele dizendo que “a imprensa quer tirar ela,” e que “essa porra não vai parar
nunca” – falando sobre as investigações – até que ela saia.
As transcrições
fornecem provas para quase todas as suspeitas e acusações expressas há tempos
pelos oponentes do impeachment a respeito daqueles que conspiram para remover
Dilma do poder. Durante meses, os apoiadores da democracia brasileira
defenderam dois argumentos sobre a tentativa de remoção da presidente
democraticamente eleita: (1) o propósito
principal do impeachment de Dilma não era acabar com a corrupção ou punir os
corruptos, mas justamente o oposto: proteger os verdadeiros corruptos
dando-lhes poder com a saída de Dilma e, logo, permitindo que terminassem com
as investigações da Lava Jato; (2) os defensores do
impeachment (liderados pela oligarquia midiática nacional) não têm qualquer
interesse em limpar o governo, mas tomar o poder que jamais conquistariam
democraticamente, para então impor uma agenda de direita e a serviço das
oligarquias, que a população brasileira não aceitaria.
As duas primeiras
semanas do recém-instalado governo de Temer mostram grandes evidências para
ambos os argumentos. Ele nomeou vários ministros diretamente envolvidos em
escândalos de corrupção. Um importante aliado que vai liderar a coalização de
seu governo na Câmara dos Deputados – André Moura – é um dos políticos
mais corruptos do país, alvo de múltiplas investigações criminais, não só por
corrupção mas
também por tentativa de homicídio. O próprio Temer está profundamente implicado em casos de corrupção (ele
enfrenta a possibilidade de se tornar inelegível pelos próximos oitos anos), e
está correndo para implementar uma série de mudanças de direita e orientadas
para as oligarquias do país, que o Brasil jamais permitiria democraticamente,
inclusive medidas, como
detalhado pelo Guardian,
para “suavizar a definição de escravidão, reverter a
demarcação de terras indígenas, cortar programas de construção de casas
populares e vender ativos estatais em aeroportos, serviços públicos e os correios”.
Mas, ao contrário
dos acontecimentos das últimas semanas, essas transcrições não são meras
evidências. Elas são provas: provas de que as principais forças por trás da
remoção da Presidente entenderam que removê-la era o único meio de se salvarem
e de evitarem que sejam responsabilizados por sua própria corrupção; provas de
que os militares brasileiros, as principais organizações de mídia, e sua
Suprema Corte foram conspiradores ativos na remoção da presidente
democraticamente eleita; provas de que os agentes do impeachment viam a
presença de Dilma em Brasília como garantia de que as investigações da Lava
Jato continuariam; provas de que nada daquilo tinha a ver com a preservação da
democracia brasileira, mas com sua destruição.
Por sua parte,
Jucá admite que essas transcrições são autênticas mas insiste que foi tudo um
mal-entendido e que seus comentários foram retirados do contexto, chamando
isso “also banal.” “Aquela
conversa não é um pacto sobre a Lava Jato. É um pacto sobre a economia […] É um
pacto para se tirar o Brasil da crise,” disse
ele em uma entrevista, nesta manhã, ao blogger de política do
UOL Fernando Rodrigues. A explicação não é minimamente razoável à luz do que
ele disse na gravação, bem como da explícita natureza conspirativa da conversa,
na qual Jucá insiste numa série de encontros particulares, em detrimento de
encontros em grupo, para evitar suspeitas. Líderes políticos já
estão pedindo seu
afastamento do governo.
Desde a instalação
de Temer como presidente, o Brasil tem visto intensos e crescentes protestos
contra ele. A mídia brasileira – que vem tentando desesperadamente glorifica-lo
– tem evitado a publicação de pesquisas por algumas semanas, mas os últimos
dados mostrar que Temer tem apenas 2% de apoio e que 60% da população querem
seu impeachment. A única pesquisa recentemente
publicada mostrou que 66% dos
brasileiros acreditam que os legisladores votaram pelo impeachment em benefício
próprio – uma crença reforçada pelas transcrições – enquanto apenas 23%
acreditam que foi em prol do país. Ontem, em São Paulo, a polícia colocou
barricadas na rua onde fica a residência de Temer por conta de milhares de
manifestantes que se dirigiam ao local; a polícia usou mangueiras e gás
lacrimogêneo para dispersar os protestos. O anúncio do fechamento do Ministério
da Cultura levou artistas e simpatizantes a ocupar secretarias de cultura em
todo o país em protesto, o que forçou Temer a reverter a decisão.
Até agora, o The Intercept, como a maioria
da mídia internacional, se absteve de usar a palavra “golpe” apesar de ter sido
(como muitas outros meios de comunicação) profundamente crítico da remoção
antidemocrática de Dilma. Estas transcrições compelem a um reexame desta
decisão editorial, particularmente se não surgem evidências para pôr em questão
a razoabilidade do significado das declarações de Jucá ou seu nível de
conhecimento. Um golpe parece, soa e cheia exatamente como esta recém revelada
conspiração: assegurando a cooperação dos militares e das instituições mais
poderosas para remover uma presidente democraticamente eleita por motivos
egoístas, corruptos e ilegais, para então impor uma agenda a serviço das
oligarquias e rejeitada pela população.
Se o impeachment
de Dilma conitnua inevitável, como muitos acreditam, essas transcrições
tornarão muito difícil a permanência de Temer. Pesquisas recentes mostrar
que 62% dos brasileiros querem novas eleições para eleger seu presidente. Esta opção – a opção
democrática – é a solução mais temida pelas elites do Brasil, porque elas estão
apavoradas (com
bons motivos) com a possibilidade de que Lula ou outro
candidato que as desagrade (Marina Silva) possam ganhar. Mas essa é a questão:
se, de fato, é a democracia que está sendo combatida e aniquilada no Brasil, é
hora de começar a usar a linguagem apropriada para descrever isso. Estas transcrições
tornam cada vez mais difícil para as organizações de mídia evitarem fazê-lo.
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