Mentiras
e imoralidades ficam mais fáceis em um regime neofascista
Os que têm potencial e obrigação de reagir tratam o avanço
neofascista como mais um fato cotidiano
Janio de Freitas, Folha de S. Paulo
Com um largo passo, afastamo-nos mais da democracia, dos nossos
direitos civis e da vigência plena da Constituição. E como se isso não
acontecesse ou, se percebido, não fosse importante. A falta de reação
proporcional é tão grave quanto o passo a que fomos empurrados.
Todos
os governos de índole fascista começam a torná-la realidade por três ou quatro
medidas que tolhem a liberdade de discordância.
Uma dessas medidas clássicas da derrubada de democracias é a identificação, fichamento e
vigilância sigilosa de reais ou potenciais opositores ao
autoritarismo. Uma das primeiras providências do gorilismo de 1964, por
exemplo, foi a criação do SNI, serviço de espionagem interna mais tarde chamado
de monstro pelo próprio criador, o sinistro general Golbery.
Tem
essa mesma finalidade a função atribuída à Seopi, Secretaria de Operações
Integradas, pelo recém-ministro da
Justiça, André Mendonça, não muito menos sinistro na sua fisionomia
sem expressão.
As
atuais revelações do ex-repórter especialíssimo da Folha e hoje encontrável em
blog no UOL, Rubens Valente, partem de um dossiê da Seopi, datado de
junho.
São os dados e às vezes fotos obtidos em sua “ação sigilosa
sobre 579 servidores federais e estaduais de segurança, e três professores
universitários, identificados como integrantes do ‘movimento antifascismo’”.
Título
do dossiê: “Ações de Grupos Antifas e Policiais Antifascismo”. Antifas é como
se denominam os adversários ativos do fascismo em qualquer das suas formas.
O
título explicita, portanto, o propósito da ação e do dossiê contra os
defensores do regime democrático em vigor, como são, no caso e por definição,
os antifas e os policiais antifascismo. Logo, trata-se de uma ação, sob ordens
do próprio ministro da Justiça, mais do que inconstitucional, contra a Constituição em seu teor
e vigência.
A
Constituição não admite ações ou pregação contra o regime nela formulado. Tem a
sabedoria da prevenção. Porque o início contra servidores e alguns professores,
se não recebe a reação proporcional e legal, será, logo, estendido a outras
linhagens da cidadania. Se ainda não foi.
E
os que têm o potencial e a obrigação de reagir, até como defesa de si mesmos,
trataram o revelado avanço neofascista como mais um fato cotidiano. Sim, os de
sempre, jornais e TV, juristas, advogados, professores, intelectuais, artistas,
políticos democratas — os visados.
O
confronto entre os dallagnois de Curitiba e o procurador-geral Augusto
Aras teve a preferência, brigas têm mais sensação. Acusada de
caixa de segredos, a Lava Jato rebateu com a afirmação de que os seus arquivos
“são avaliados por diversos entes, incluindo toda a sociedade”. Se isso não
fosse mentira, não haveria o choque público por recusa do compartilhamento de
dados pretendido pela Procuradoria-Geral.
Os
dallagnois explicaram ainda as 38 mil pessoas e empresas
constantes no seu arquivo, motivo de suspeitas de Aras. São menções
em relatórios do Coaf, órgão de alegado controle da Receita Federal, mandados à
Lava Jato para verificar suspeitas de lavagem de dinheiro.
Mas
a Lava Jato não tem poderes para se meter em buscas a granel das vidas
financeiras de pessoas e empresas. Fazê-lo é mais um dos seus habituais abusos
de poder.
Executor
dos objetivos da Lava Jato, Sergio Moro defende-o: “A operação sempre foi
transparente e teve suas decisões confirmadas pelos tribunais de segunda
instância e também pelas cortes superiores”. Mentira também. Até a segunda
instância no Tribunal Regional em Porto Alegre, ainda que a contragosto,
derrubou decisões da parceria Moro/Dallagnol. Nas cortes superiores, Moro
recorreu até a pedido de desculpa, para evitar vexame maior.
Mas
não faltará um registro simpático: os generais do bolsonarismo são pais
dedicados. E dedicados até a simples amigas. Buscam-lhes bons cargos no serviço
público, apesar de não terem habilitação. Como a nova representante do
Ministério da Saúde em Pernambuco, Paula Amorim, nomeada pelo mérito de ter
“relação de amizade e confiança” com o general Eduardo Pazzuelo. Os generais
falavam de imoralidade dos políticos.
Em
regime neofacista as mentiras e as imoralidades ficam mais fáceis.
Justifica-se, pois.
A boa leitura para viver melhor https://bit.ly/2X71T2g
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