Agenda classista
André Singer
Ao dar
centralidade à reforma da Previdência, o governo força divisão que dificultará
a formação do pacto pró-retomada do desenvolvimento. Sindicalistas e
empresários produtivos, que haviam se reaproximado no final de 2015, tenderão a
se dividir. Não é para menos: a seguridade social está no centro da luta de
classes contemporânea.
Marx
demonstrou que, no capitalismo, a mais-valia, parcela do trabalho não paga e
que aparece sob a forma de lucro, contrapõe de modo inconciliável patrões e
empregados. Onde há venda da força de trabalho, existe exploração. Poder-se-ia
dizer, então, que o assalariamento, em si, seria o pomo da discórdia.
Ocorre
que o desenvolvimento histórico real deslocou a peleja para mecanismos que, sem
eliminar o salário, compensam parcialmente a exploração. Usa-se parte dos
fundos públicos para devolver ao assalariado algo do que lhe foi sonegado no
processo de produção. A disputa fica em torno de quanto do recurso comum será
destinado a essa compensação.
O
empresariado quer limitar a expansão do total disponível (corte de impostos) e
carrear a maior parcela do mesmo para a remuneração do próprio capital, por
exemplo, via juros (superavit primário). Os sindicatos buscam sempre aumentar a
parcela destinada a proteger os que vivem apenas do próprio labor.
Analistas
de diversas tendências advertem, sem prejuízo de alguns reconhecerem as
premissas acima, que a parcela da riqueza destinada ao fundo público tem
limitações físicas. Não adianta tentar distribuir o que não existe. Acentuam,
também, que o aumento da expectativa de vida implica gastos crescentes pelo
simples fato de as pensões terem que ser pagas por muito mais tempo. Somados os
dois fatores –disponibilidade real e envelhecimento prolongado–, concluem pela
necessidade de repactuar o tema previdenciário.
Do
ponto de vista teórico, eles têm parcela de razão. O que não nega o caráter
classista que o debate vai, inevitavelmente, adquirir. Constatado que o tamanho
relativo do bolo diminuiu, fica mais acirrada a disputa pela parte que cada um
vai receber.
Será
que o melhor momento para deflagrar este embate de soma zero –os que uns
ganham, outros perdem– é o de uma economia em profunda recessão? Não seria
melhor esperar período de expansão para, com maior margem, impor perdas menores
a quem quer que seja? Ou será que o capital avalia que, em virtude do
desemprego, a resistência do trabalho será agora menor? Neste caso, compete a
um suposto governo de trabalhadores cumprir o papel de aríete?
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