Caruso desafina
As caricaturas do chargista afinam-se à perfeição com a linha golpista
da mídia nativa
Maurício Dias, na Carta Capital
Em meados de janeiro, o cartunista Chico Caruso, de O Globo, fez uma das mais agressivas charges políticas de tantas
assinadas por ele. Em sintonia fina com a linha conservadora do jornal, de
tenaz oposição aos governos petistas, ele atacou a Carta Aberta assinada por
104 advogados redigida em reação ao “desrespeito a direitos e garantias
fundamentais dos acusados” ocorrido na Operação Lava Jato.
Em oposição aos argumentos do manifesto, o festejado Caruso
foi além da referência aos signatários e lambuzou toda a categoria. Jogou lama
nos advogados e os rebaixou literalmente à condição de bandidos.
A Ordem dos Advogados do Brasil ficou calada. A seccional do
Rio reagiu. Rebateu com cartum de Aliedo no qual é lembrada a luta de advogados
pela democracia e pela liberdade de expressão e, também, pelo direito de
qualquer um de “dizer tolices”.
As caricaturas de Caruso têm sido parte integrante da linha
golpista adotada hegemonicamente pela maioria maciça da imprensa brasileira. Esse comportamento de chargistas não é novidade.
Em 1964, por exemplo, quase todos
reagiram de acordo com a linha editorial dos mesmos jornais de hoje – O Globo, a Folha e oEstadão –, opositores do discurso progressista
de João Goulart. Emparedaram o presidente, facilitados pelo conflito da Guerra
Fria.
Alguns cartunistas por oportunismo, outros por ideologia.
Ocultavam-se, então, no discutível princípio de que o intuito do desenho é o
humor. Mas, se o humor faz rir, faz também pensar. Ao fim e ao cabo, os humoristas
entraram em luta contra a democracia e terminaram dando apoio aberto ao golpe
civil-militar. A honrosa e conhecida exceção coube ao cartunista Sergio
Jaguaribe, o Jaguar.
Hoje em dia não dá mais para enganar. Que cada um pense como
quiser. Mas tem de se expor.
No caso de Caruso, a agressividade política emergiu com mais força a partir do
julgamento dos réus do chamado “mensalão”, no Supremo Tribunal Federal. A partir
daí ele assumiu um papel mais opinativo e colérico no consagrado rastro do ódio
de classe. O discurso do cartunista é interpretado pelo professor Wedencley
Alves como “punitivo” e convergente com as “práticas de humilhação dos réus”.
Alves, doutor em Linguística pela Unicamp, analisou charges
de Caruso que, paralelas às decisões do STF, eram estampadas diariamente na
primeira página de O Globo. Nelas os ministros estão com as costumeiras togas e os réus são
despidos pelo cartunista. A nudez dos réus não é dissonante e pode ser
identificada ao longo da história.
Alves explica: “A condenação parajurídica e a nudez sempre
andaram juntas. Dos castigos medievais à Santa Inquisição; da escravidão aos
julgados pelo tráfico aos torturados nas salas do Departamento de Ordem
Política e Social (Dops), os algozes sempre deixaram nuas suas vítimas”.
Punições execráveis como essas, mesmo sendo estampadas em
desenhos, não ocorrem sem autorização superior.
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