Agora é cinzas. E a folia continua!
Luciano
Siqueira
Nos tempos de criança, via a quarta-feira de cinzas como algo solene, religioso e até mórbido. “A missa de cinzas é para tirar os pecados do carnaval”, dizia a avó Neném, contrita e ameaçadora. Aos meninos da casa aquilo naturalmente parecia estranho. Afinal, que pecados teríamos cometido levados ao corso pelo próprio pai, folião entusiasta?
Nos tempos de criança, via a quarta-feira de cinzas como algo solene, religioso e até mórbido. “A missa de cinzas é para tirar os pecados do carnaval”, dizia a avó Neném, contrita e ameaçadora. Aos meninos da casa aquilo naturalmente parecia estranho. Afinal, que pecados teríamos cometido levados ao corso pelo próprio pai, folião entusiasta?
Depois,
já na adolescência, a quarta-feira assumiu um tom de tristeza, de perda, de fim
de festa embalado pela canção de Luis Bandeira: “É de fazer chorar/quando o dia
amanhece/e obriga o frevo acabar/ó quarta-feira ingrata/chega tão depressa/só
pra contrariar...”.
Hoje
não é mais assim. A quarta-feira deixou de ser ingrata há muito tempo, aqui, na
terra do frevo e praticamente em todos os lugares onde se cultuam os dias de
Momo.
A
missa de cinzas continua, claro, conforme a tradição católica; e suponho que
tenha cultos correspondentes nas demais vertentes religiosas.
Mas
quem disse que a folia acaba? No mínimo vai até o domingo, com o “Bloco do
Camburão”, no Recife, na praia de Boa Viagem e com o desfile das escolas de
samba vencedoras no Rio de Janeiro, só para citar dois exemplos.
No
Recife e em Olinda a algazarra prossegue a todo vapor. Tem “Os Irresponsáveis”,
no bairro de Água Fria, na capital, o “Bacalhau na Vara” e o “Segura a Coisa”,
pelas ladeiras de Olinda, e por aí vai.
A
modernidade e o ritmo frenético da vida nas cidades se sobrepõe à tradição
religiosa e a necessidade de prolongar a alegria prevalece.
“É o
fim do mundo, meu filho”, certamente diria a avó Nenén se viva estivesse. Fim
do mundo certamente não é, mas a expressão de novos costumes, sim.
O
mesmo acontecerá logo mais na Semana Santa, outrora consagrada tão somente à
reverência diante do sangue do Cristo derramado, mormente na sexta-feira.
Basta
dar uma olhada nos prospectos das agências de turismo para constatar o quanto
se prevê de espetáculos musicais que nada têm a ver com os dobrados, marchas e
peças típicas da tradição clássica ocidental ligada à liturgia católica. Pelo
interior de Pernambuco avultam bandas bregas (incluindo repertório irreverente
e de duplo sentido), duplas sertanejas, DJs e grupos de rock'n'roll.
Tudo
isso envolve também, ao lado da mudança de comportamento, sobretudo de parcelas
expressivas da população mais jovem, a chamada economia da cultura. O
calendário assim mesclado de religioso e profano movimenta milhões. Caso de
Fazenda Nova, no Agreste pernambucano, onde se realiza a concorrida Paixão de
Cristo, e enseja ao lado rentáveis empreendimentos que vão da hotelaria às
casas de espetáculo, gerando lucros e empregos temporários que justificam
inclusive o suporte governamental.
Enfim, a quarta-feira de cinzas deixou de ser ingrata e cedeu seu lugar ao domingo... Evoé!
Enfim, a quarta-feira de cinzas deixou de ser ingrata e cedeu seu lugar ao domingo... Evoé!
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