Preferência no pré-sal: justo para o Brasil, bom para a Petrobras
A notícia de que a presidenta Dilma está disposta a reexaminar e promover
mudanças nas condições legais para a exploração e produção de petróleo e gás no
pré-sal é uma boa notícia. Contudo, é importante saber porque fazer mudanças e
que mudanças devem ser feitas. Para tanto, é preciso olhar as circunstâncias
históricas em que o governo propôs e o Congresso aprovou a Lei 12.351/2010 que
define as condições para se explorar e produzir petróleo na região do pré-sal.
Por Haroldo Lima*, no portal Vermelho
Uma situação promissora: pré-sal descoberto, petróleo em alta, Petrobras
em Ascenso - Quando o
pré-sal foi descoberto, o setor do petróleo crescia no mundo, com os problemas
costumeiros. Nos marcos do capitalismo, reproduzia de forma ampliada seu capital,
com lucros e produção sustentados.
Naquela oportunidade, o presidente Lula criou, em julho de 2008, uma
Comissão Interministerial de oito membros, da qual participei, como
diretor-geral da ANP que era no momento. A Comissão funcionou intensamente e o clima
geral sempre foi o de que o negócio do petróleo ia muito bem. Para se ter uma
ideia, em 11 de junho de 2008, o petróleo foi cotado a US$ 144/barril. A
Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao governo federal, admitiu que
esse preço poderia chegar a US$ 200/b. Já bem depois, em junho de 2014, a
cotação ainda estava muito alta, US$ 112/b.
A Petrobras também ia muito bem. Com a descoberta do pré-sal, ficara com
o megacampo Lula no pré-sal, e lá estava prestes a produzir, em algumas áreas
do pré-sal, com contratos de concessão anteriormente firmados com a ANP. Ganhou
o grau de investimento, em 2007. Em setembro de 2010, pouco depois da
descoberta do pré-sal, ela foi ao mercado realizar uma capitalização.
Resultado: levantou US$ 70 bilhões, na maior operação desse gênero efetuada no
mundo em todos os tempos.
Foi nesta conjuntura bastante favorável que a Comissão Interministerial
elaborou quatro projetos de lei e os encaminhou ao Congresso. Um desses
projetos, devidamente aperfeiçoado, veio a se transformar na Lei 12.351/2010,
que fixa o regime de partilha como novo marco regulatório para o pré-sal; cria
a Pré-Sal Petróleo S.A., a PPSA, empresa 100% estatal, para supervisionar todos
os contratos no pré-sal; e confere à Petrobras a condição de operadora única na
região.
O marco regulatório da partilha foi adotado com base na experiência
internacional, que não pode ser desdenhada. De uma maneira geral, em regiões
onde há grande risco exploratório e potencial incerto, usa-se o contrato de
concessão; em regiões de baixo risco exploratório e grande potencial
petrolífero, usa-se o contrato de partilha.
Na concessão, o óleo que sai do poço é propriedade do concessionário,
que paga ao Estado royalties, participações especiais e outras. Na partilha, o
óleo extraído é propriedade do Estado, que paga à empresa ou consórcio
contratado a parcela pré-fixada do excedente em óleo.
O regime de partilha tem uma vantagem essencial. Nele, o Estado
supervisiona todos os contratos, através da empresa 100% estatal criada, a
PPSA, que tem até poder de veto. Assim, não só os contratos podem ser mais
benéficos para a União, como, o que é muito mais importante, o Estado passa a
ter o controle da produção, aumentando-a ou não, e assim agindo sempre contra o
chamado “mal da abundância”, ou “doença holandesa”, que desindustrializa países
ricos em minerais, como o petróleo.
O regime de partilha e a PPSA foram criados por causa do enorme
potencial do pré-sal; e a Petrobras foi posta como operadora única para ser
reforçada, pois o negócio do petróleo estava em ascensão, os preços do óleo em
alta e a própria Petrobras com suas finanças robustas.
A mudança da situação: pré-sal comprovado, petróleo em baixa, Petrobras
em crise -
Na continuidade, evoluíram em direções diferentes o potencial do pré-sal, o setor do petróleo no mundo e a Petrobras.
Na continuidade, evoluíram em direções diferentes o potencial do pré-sal, o setor do petróleo no mundo e a Petrobras.
O potencial do pré-sal evoluiu no sentido da confirmação de sua grande
capacidade petrolífera, situação na qual o regime apropriado é o da partilha da
produção.
Já o negócio do petróleo e a situação da Petrobras evoluíram em sentido
oposto.
De meados de 2014 para cá, o preço do petróleo desabou do patamar em que
estava, acima dos US$ 100/barril, para níveis que chegaram abaixo dos US$ 30/b,
com leve recuperação recente. O setor passou a enfrentar dificuldades. Os
planos de investimento das grandes petroleiras foram e estão sendo revistos,
ativos estão sendo desfeitos, empresas têm saído do mercado. Como os preços do
óleo oscilam em períodos cíclicos, não se sabe por quanto tempo durará esse
ciclo de baixa. Têm ocorrido ciclos de 13 a 15 anos.
A situação é mais complicada para a Petrobras. Como toda grande
petroleira, ela se enfraqueceu com essa queda contínua e prolongada dos preços
do óleo. Mas, mais grave ainda foi que isto aconteceu, quando foi descoberto e
desmascarado um esquema corrupto que atuava dentro e fora da empresa,
dilapidando-a. A estatal passou por constrangimentos, quatro de seus diretores
foram presos por corrupção e a situação se deteriorou a ponto da empresa não
ter apresentado Relatório auditado de suas contas no final de 2014.
Quando, no início de 2015, o Relatório foi divulgado, devidamente
auditado, verificou-se um prejuízo contábil, em 2014, da ordem de R$ 21
bilhões. Desse montante, o Relatório indica R$ 6 bilhões como decorrentes da
corrupção, uma cifra espantosa. Mas indica R$ 44 bilhões de prejuízos causados
pela revisão para baixo dos ativos da companhia, por conta principalmente da
queda dos preços do petróleo.
A companhia passa a viver grandes problemas. Avultam, entre eles, uma
dívida em torno de R$ 500 bilhões; a queda brusca de seu valor de mercado, que
sai de US$ 250 bilhões, na época da capitalização, para US$ 44,4 bilhões, nesse
fim de 2015; a retirada, pelas agências internacionais, do seu grau de investimento.
Apesar de tudo, a estatal mantém seus fundamentos sólidos: se em valor de
mercado tem diversas petroleiras à sua frente, em reservas de petróleo a
explorar, provavelmente nenhuma lhe ultrapassa, pois, só no pré-sal, ela tem
perto de 40 bilhões de barris sob contratos.
É frente a essa situação que cabem algumas considerações.
Fazer adaptações sem perder o rumo - Em primeiro lugar, quando o Congresso Nacional definiu, na Lei
12.351/2010, o regime de partilha para vigorar no polígono do pré-sal e áreas
estratégicas, agiu com o maior discernimento e priorizou o interesse nacional.
Na medida em que se confirma e se agiganta o potencial petrolífero do pré-sal,
aumenta a convicção na justeza de que, no pré-sal, a partilha é irrecusável.
Sobre esse assunto o senador Aloísio Nunes Ferreira, do PSDB, apresentou
um projeto de lei, o PLS 417/204, propondo acabar com a partilha no pré-sal
brasileiro. Isto desarmaria o Estado nacional, privando-o da possibilidade de
controlar a produção em área altamente prolífera, que é a do pré-sal. Ficariam
flanqueadas as portas para o controle futuro dessa área por empresas
estrangeiras.
Em segundo lugar, quando o Executivo e o Congresso Nacional firmaram que
a Petrobras deveria ser a operadora única no pré-sal, visavam fortalecer essa
empresa num negócio, na época, de alta lucratividade, ao tempo em que a estatal
acumularia cada vez mais conhecimentos sobre os horizontes do pré-sal.
Ocorre que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis, ANP, exige que a empresa que for operadora em determinado
bloco deve participar com um mínimo de 30% das responsabilidades da Exploração
e Produção (EeP) desse bloco. Terá 30% das rendas provenientes do negócio, mas
terá que assumir 30% dos encargos da atividade.
Esses encargos, no pré-sal, são muito elevados, a começar pela
participação no leilão, como se comprovou na licitação de Libra. Aí, a
Petrobras articulou o consórcio vencedor e decidiu dele participar não com o
mínimo de 30% que a lei lhe facultava, mas com 40%, o que significou que teve
que pagar R$ 6 bilhões pela sua parte no Bônus de assinatura (o Bônus foi de R$
15 bilhões). As despesas subsequentes com a exploração no pré-sal também são
substanciais e a Petrobras está arcando com a sua parte de 40% no consórcio.
Preferir é garantir o que deseja, mas não obrigar, ao que não se
quer - Na nova situação
sumariamente exposta, especialmente com as dificuldades financeiras da
Petrobras, pode esta empresa ser obrigada a arcar com 30% dos dispêndios de
todos os eventuais consórcios vitoriosos em futuros leilões do pré-sal? Mesmo
em blocos que ela não considere prioritários?
Para escapar dessa situação, há a hipótese de não se fazer leilão no
pré-sal a prazo curto, o que de certa forma está acontecendo. Afinal, nosso
país descobriu o pré-sal entre 2006/2007 e, quase dez anos depois, só
conseguimos realizar, na província descoberta, um único leilão, de um único
bloco exploratório.
A hipótese de protelar indefinidamente leilões para explorar o pré-sal,
não é justa para com o Brasil, ansioso por desenvolvimento e sedento de
recursos para educação e saúde, que adviriam de royalties expressivos.
O problema posto não tem nada a ver com o regime de partilha, nem com
política de conteúdo local, mas com a obrigatoriedade da Petrobras ser a
operadora única no pré-sal e áreas estratégicas que vierem a ser descobertas.
O projeto de lei do senador José Serra, PLS 131/2015, também do PSDB,
propõe o fim dessa obrigatoriedade. É positivo que o senador não tenha proposto
o fim do regime de partilha. Mas, como foi apresentado, seu projeto comete um
erro inaceitável contra a Petrobras. Reserva-lhe, na eventualidade dela deixar
de ser a operadora única, o mesmo lugar que o de qualquer empresa estrangeira,
pois, para ter acesso ao pré-sal, teria que se submeter a um leilão em
condições de igualdade com qualquer multinacional.
A Petrobras não pode ser tratada, no Brasil, e no pré-sal, como se fosse
uma empresa estrangeira
qualquer, sem nenhum direito a mais, sem nenhuma
regalia. Isto seria um despropósito. A Petrobras teria que ter, no Brasil, e no
pré-sal, uma condição especial. Essa condição seria a de operadora
preferencial.
Como operadora preferencial, a Petrobras teria a oportunidade de
identificar quais os blocos onde ela opta por ser operadora e, em consequência,
que blocos não lhe interessa operar. Seus custos poderiam ser muito reduzidos
e, mantido o regime de partilha, o país continuaria seu controle sobre o
pré-sal.
Considerando que o acionista principal da Petrobras é o Estado
brasileiro, caberia a um órgão do Estado, o Conselho Nacional de Pesquisa
Energética, o CNPE, dirigido pelo ministro de Minas e Energia, o referendo
final das razões alegadas pela diretoria da empresa para não operar
determinados blocos.
*Haroldo
Lima é engenheiro, foi diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis, é consultor na área do petróleo e membro da
Direção Central do PCdoB.
Leia mais sobre temas da atualidade: http://migre.me/kMGFD
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