Se você ainda
Ruy Castro, na
Folha de S. Paulo
Se você acha Jair Bolsonaro um
horror só porque ele detesta índios, gays, transexuais, nordestinos, crianças,
professores, estudantes, cientistas, artistas, jornalistas, pacifistas,
imigrantes, doentes mentais, dependentes químicos, presidiários, desaparecidos
políticos, ambientalistas, veganos e até famintos; ou se você se assusta
porque, em vez daqueles, ele prefere torturadores, milicianos, fabricantes de
armas, chacinadores, devastadores do ambiente, mineradores, disseminadores de
agrotóxicos, exploradores do trabalho infantil, criminosos do trânsito,
censores e, de modo geral, as piores pessoas do país;
Se ele lhe provoca náuseas ao fazer declarações impiedosas sobre
pessoas mortas, tanto as que morreram de fome, nos presídios, nas ruas ou mesmo
em combate, e ao insultar suas famílias, que têm o direito de amá-las; ao
demonstrar seu cavalar desconhecimento sobre artistas que elevaram o nome do
Brasil no exterior, como João Gilberto;
e, dizendo-se cristão, frequentar
igrejas por motivos políticos tanto quanto estádios de
futebol;
Se você se indigna porque ele despreza instituições que nos
tornaram adultos e respeitados, como o Itamaraty, o Inpe,
a Funai,
o Ibama, aFiocruz e
a OAB,
e, diariamente, agride uma Constituição que jurou respeitar e nunca leu; ou
porque desmerece o trabalho de brasileiros que têm dedicado a vida a construir
o Brasil, e não a parasitá-lo durante 28 anos num covil da Câmara dos
Deputados;
Se você continua esperando que ele se explique sobre as
histórias mal contadas que o cercam, envolvendo seus filhos, motoristas que “sabem fazer
dinheiro”, vendedoras de
açaí, ministros suspeitos, candidatos laranjas e mentiras puras e
simples;
Enfim, se você ainda se surpreende ouvindo-o dizer coisas
inenarráveis ao ser filmado cortando
o cabelo numa cadeira de barbeiro, imagine o que ele não faz
sozinho, sem testemunhas, sentado em outra espécie de trono.
[Ilustração: Goya]
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