Haroldo Lima, no Blog do Renato
Em
memorável sessão realizada no dia 5 de maio, o STF decidiu, por unanimidade,
suspender o mandato parlamentar de Eduardo Cunha. As razões, expostas em 79
páginas lidas pelo ministro-relator Teori Zavaski, mostram, com mais detalhes
do que se supunha, os veementes indícios de delitos e as infrações
implementadas por aquele que é agora ex-presidente da Câmara e que ostenta a
condição formal de réu criminal perante a Suprema Corte brasileira. Este fato
enseja reflexões e desafios.
É que Cunha foi afastado por ser
delinqüente, o que nos leva a inquirir se a recepção que ele fez do pedido de
impeachment da presidenta Dilma já não foi um ato atrabiliário, animado por
motivações rasteiras e inconstitucionais.
Quando presidente da Câmara, Cunha encaminhou a
abertura do processo de impeachment logo depois que o PT anunciou que não o
defenderia na Comissão de Ética que o julga por quebra de decoro. O impeachment
foi aberto, assim, como um ato de vingança e não por qualquer outra
razão. Isto nos remete à questão que em direito é chamada de “desvio de
finalidade”.
O “desvio de finalidade”, flagrante no
posicionamento de Eduardo Cunha é, segundo a doutrina, uma “violação moral, uma vez que o administrador dá ao
ato um escopo diferente do idealizado pelo legislador”. Quem assim procede, “se utiliza de meios ou pretextos imorais para
desempenhar um ato administrativo revestido de falsa legalidade. Em função
disso, para que seja identificada essa conduta ilegal ou imoral é preciso que
se saiba ler os indícios e as circunstâncias que as denuncie. Sobre isso, o STF
se posiciona entendendo “que vários indícios e concordantes são prova”.
( Via JUS)
Quando bandoleiros são presos, as autoridades se
empenham para que haja devolução dos recursos subtraídos dos cofres públicos.
Quando um delinqüente é flagrado no exercício de autoridade, espera-se que
sejam anuladas as ações políticas por ele tomadas com motivação “ilegal ou
imoral”, livrando o país das nefandas conseqüências de seus atos ilícitos.
A nação não pode pagar por esses infortúnios,
inclusive porque o STF cometeu, no caso, lamentável e estranho atraso, deixando
o Cunha agir livremente, por mais de cinco meses, depois que a Procuradoria
Geral da República pediu seu afastamento.
A permanência do delinqüente em franca atividade
por esse tempo permitiu que a ação ilícita do impeachment-vingança se
desenvolvesse, contando com o beneplácito de diversos de seus colegas
parlamentares, muitos também envolvidos em corrupção e denunciados pela Lava-Jato.
Relembremos o espanto do ministro Marco Aurélio: “vivemos tempos estranhos”; o
fenômeno Eduardo Cunha “ocorreu na Casa do Povo” e esses costumes espúrios
“lograram nessa mesma Casa (fazer) uma maioria”.
De qualquer forma, o impeachment da presidenta Dilma
está viciado por um erro de origem: é fruto de “desvio de finalidade”, decorre
da “conduta ilegal ou imoral” de um delinqüente, enfim reconhecido pela
Justiça. Deve ser encerrado.
Na véspera de ser afastado de suas funções pelo
STF, Eduardo Cunha, ágil em delinqüir, perpetrou um último desatino: encaminhou
a abertura de uma CPI da União Nacional dos Estudantes, a UNE.
Com o apoio de parlamentares obscurantistas e
desconhecidos, ligados ao seu grupo fundamentalista, Cunha sujou a Casa na hora
da saída, procurando alvejar a entidade máxima e mais prestigiada da juventude
estudantil brasileira, a UNE.
O ex-presidente da Câmara igualou-se, assim, aos
golpistas de 1964 que, no primeiro dia do golpe, tocaram fogo na sede da UNE,
no Rio de Janeiro, e em seguida declararam que ela estava extinta. A UNE
resistiu e cumpriu inestimável papel na luta democrática. Está aí, firme e
forte. Quem foi extinta foi a ditadura.
Ao pretender fazer uma CPI contra a juventude,
Cunha presta um desserviço gigantesco à Câmara dos Deputados. Porque o povo
brasileiro – mesmo setores conservadores – respeita a UNE e a admira. Largas
camadas da população orgulham-se dela, porque miram sua história grandiosa.
Força Expedicionária Brasileira enfrentando o
nazi-fascismo na Europa; campanha “O petróleo é nosso”; Educação para o povo e
Cultura para a libertação; Fora o FMI; Abaixo a ditadura; Araguaia; Anistia
ampla, geral e irrestrita; Constituinte livremente eleita; Diretas Já. São
feitos e campanhas que honram a história da República e que não teriam havido,
ou não teriam o brilho que tiveram, se não fosse a juventude brasileira, à
frente da qual suas entidades mais representativas, a UNE e a UBES.
O gesto final tresloucado de Eduardo Cunha, na
véspera da suspensão de seu mandato, pode levar a Câmara dos Deputados a ficar
em rota de colisão com a juventude, o que prejudicaria a imagem dos deputados,
já alquebrada pela presença em seu meio de figuras execráveis como o próprio
Cunha.
A CPI da UNE, ainda não instalada, não pode
prosperar. Foi pensada por Cunha e seu grupo fundamentalista para se vingarem
da UNE, que esteve na linha de frente do Fora Cunha. Padece do mesmo “desvio de
finalidade” que marcou o impeachment da presidenta Dilma. Foi uma vingança
pueril.
Não será fácil, mas a Câmara tem agora uma
oportunidade para se recolocar perante a nação, superando o mal-estar
gigantesco do tempo em que foi dirigida por um delinqüente. A sua própria
presidência precisa ser revigorada. Os três primeiros deputados da sua
hierarquia, todos, respondem a processos no STF, um dos quais por conta da
Lava-Jato. É indispensável uma nova eleição para sua Mesa-Diretora.
Os ministros do STF foram cuidadosos ao
explicitarem que a suspensão de Cunha não significava intervenção do Judiciário
no Legislativo, mas uma medida de defesa das instituições e de defesa da
Câmara. O Supremo não se pronunciou, nem poderia fazê-lo, sobre o
prevalecimento ou não das medidas tomadas por Cunha até sua suspensão. Isto,
como também a cassação do mandato de Cunha, não é um problema do
Supremo, como explicaram seus ministros, mas dos próprios deputados.
Parece certo que, no âmbito da Câmara, o novo
tempo que pode surgir passa pelo esforço que os parlamentares devem fazer para
descobrir os caminhos de: encerrar o impeachment em curso, como processo
nascido de um “desvio de finalidade”; pela mesma razão, tornar sem efeito a CPI
da UNE; promover eleição para nova Mesa-Diretora da Câmara; e viabilizar um
plebiscito que leve à antecipação da eleição presidencial de 2018, ajudando a
dar uma saída para a crise atual em que se debate o país.
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