Ataque
autoimune é responsável por 10% dos casos graves da Covid-19, diz estudo
Resultados podem ajudar a explicar porque pessoas saudáveis ou jovens
morreram ao contrair a doença
Matheus Moreira,
Folha de S. Paulo
Dois
novos estudos publicados em uma das principais revistas científicas do mundo, a
Science, indicam que pelo menos 1 em cada 10 pessoas que desenvolveram quadros
graves de Covid-19 pode ter sido atacada pelo próprio sistema imunológico.
O quadro é mais
frequente entre os homens: 12,5% dos que desenvolveram casos agudos do novo
coronavírus tiveram a condição agravada pelo próprio sistema de defesa, ante
2,6% das mulheres.
De acordo com os
pesquisadores, os resultados ajudam a explicar por que pessoas sem comorbidades
conhecidas que contraíram a Covid-19 morreram.
Em
contato com um vírus, o corpo produz substâncias chamadas interferon tipo 1
(proteína). Essa proteina é responsável por impedir que o vírus se reproduza
nas células e porestimular as demais células a combater o invasor. Essa fase
inicial de ação ativa a resposta imune com produção de anticorpos.
O primeiro estudo analisou
amostras de plasma e soro de 987 pessoas com Covid-19 agravada,
663 assintomáticos ou pré-assintomáticos e 1.127 pessoas saudáveis (que
integraram o grupo controle).
Os
pesquisadores descobriram que em 10% dos casos o corpo dos pacientes tinha
anticorpos que agiam contra os seus próprios interferons tipo 1. Ou seja: o
próprio sistema de defesa do organismo impedia que o corpo combatesse o
Sars-CoV-2, tendo como consequência o agravamento da doença, e, em parte dos
casos, a morte.
Carolina Prando,
coordenadora do Grupo de Pesquisa em Genética do Sistema Imune do Instituto de
Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe e coautora dos estudos, explica que há dois
tipos de interferons tipo 1, o alfa e o beta. O interferon alfa foi o mais
atacado pelo sistema imunologico dos pacientes testados.
"O
anticorpo funciona como se fosse uma doença autoimune para bloquear o
interferon [alfa]. Portanto, não adianta dar interferon [alfa] para os
pacientes. Existem tratamentos para outras doenças, por exemplo, que são feitos
com interferon beta. É preciso realizar ensaios clínicos para saber se
suplementar o interferon beta pode trazer benefício para o tratamento da
Covid-19", disse.
Com a nova
descoberta é possível, ainda, prever quais pacientes correm maior risco de
morrer.
As
descobertas podem ainda auxiliar pesquisas sobre o tratamento com plasma
convalescente, processo em que se amplicam em um paciente anticorpos obtidos do
plasma de quem já teve a doença e se recuperou.
Também podem
refrear a introdução de anticorpos em pacientes que façam parte dos 10%
afetados pelo ataque autoimune, já que isso faria a doença se agravar em vez de
melhorar, pois os anticorpos combateriam o próprio organismo e não o vírus.
As conclusões
são complementadas pelo outro
estudo publicado, segundo o qual 3,5% dos pacientes com quadro
clínico grave da Covid-19 apresentaram mutações genéticas que impedem o
organismo de produzir anticorpos contra o vírus. Nesse estudo foi analisado o
material genético de 659 pessoas no estado grave da doença.
Prando frisa que
apenas novos ensaios clínicos vão revelar se a mutação torna esses pacientes
suscetíveis a reinfecção na forma grave. "Não podemos descartar essa
possibilidade. O interferon é necessário para que haja anticorpos. Por esta ser
uma mutação genética, pode ser hereditário e, portanto, é importante investigar
se outros familiares de um doente em estado grave correm maior risco."
Nesses casos,
diz ela, seria possível estimular o sistema imunológico com a administração de
interferon tipo 1, de forma similiar ao que ocorre no tratamento da hepatite.
Com
a publicação dos estudos, o grupo se prepara para dar início aos ensaios
clínicos que verificarão as possíveis intervenções terapêuticas para contornar
os resultados divulgados.
Ambos os estudos
foram realizados pelo COVID Human Genetic Effort, projeto de colaboração entre
mais de 50 centros de sequenciamento genético e centenas de hospitais pelo
mundo. Prando e outro brasileiro, o pesquisador Antonio Condino Neto, da
Universidade de São Paulo (USP), integram a diretoria do projeto.
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