Déficit é causa ou consequência da crise?
A
deterioração fiscal é muito anterior ao agravamento da crise, em 2015
Samuel Pessôa, Folha de S. Paulo
Nos
últimos anos, o Estado brasileiro apresentou seguidos déficits
públicos. Após 0,56% do PIB de déficit do setor público consolidado
em 2014, entre 2015 a 2019 a média foi de 1,7% do PIB.
Fica
sempre a questão: o agravamento da crise, em 2015, causou o déficit ou o
déficit causou a crise? Os economistas heterodoxos afirmam que a situação
fiscal estava aproximadamente equilibrada e que o agravamento da crise piorou a
política fiscal. Também sustentam que, em seguida, a política de austeridade
reforçou ainda mais a piora das contas públicas. A deterioração fiscal é
consequência tanto da crise como da resposta à crise.
Os
economistas ortodoxos alegam o oposto. A política fiscal piorou muito antes do
agravamento da crise, e a piora fiscal, em razão da elevação da
percepção de risco, foi um dos elementos causadores da crise.
Minha
colega do Ibre Luana Miranda, empregando técnica consagrada na literatura
econômica, calculou a trajetória do nível de ociosidade da economia brasileira,
também chamada de hiato de recursos, entre 2002 e 2019.
Minha
colega do Ibre Vilma Pinto, com a série de ociosidade de Luana, decompôs o
superávit primário do setor público efetivamente observado, para o mesmo período,
entre suas componentes: cíclica, estrutural e a não recorrente.
A
componente estrutural do superávit das contas públicas é aquela sustentável a
longo prazo. A cíclica está associada ao ciclo econômico e, portanto, na média,
é nula. A componente não recorrente é resultado de receitas de privatização ou
de leilão de blocos de petróleo.
O quadro abaixo indica que, entre 2006 e 2014, houve permanente queda da
componente estrutural do superávit das contas públicas (as barras empilhadas
somadas resultam no ponto que representa o dado oficial.) O déficit, e,
portanto, a dívida pública não se elevaram até 2013, pois a componente cíclica
e a não recorrente compensaram a queda da componente estrutural do superávit
primário.
Após
o pico de 3,9% do PIB, em 2005, o superávit estrutural cai para 2,42% em 2006,
fica negativo em 2010, atinge -2,15% do PIB em 2013 e incríveis -4,5% do PIB em
2014.
A
deterioração fiscal é muito anterior ao agravamento da crise, em 2015.
Diferentemente do que os economistas heterodoxos alegam, a política fiscal mais
conservadora dos últimos anos tem surtido efeito e a componente estrutural do
déficit público tem se reduzido.
A variação
do superávit primário estrutural entre dois anos, em pontos percentuais do PIB,
é o impulso fiscal, uma medida do impacto da política fiscal sobre a demanda.
Entre 2006
e 2014, tivemos continuamente impulso fiscal positivo, o que contribuiu para a
pressão inflacionária permanente e, portanto, para a necessidade de o BC praticar
juros elevados.
Orçamento de Bolsonaro é jogo
combinado com banqueiros https://bit.ly/3iTKbYP
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