Redes sociais: o dilema entre a humanidade e
a tecnologia
Estamos presos à conectividade, às redes sociais e aos efeitos
que elas produzem e esse é um caminho sem volta.
Carolina Maria Ruy, portal Vermelho
Uma pessoa dentro de um tubo de ensaio. É esta a sensação que o
filme O dilema das redes, de
Jeff Orlowski, transmite. Não é só uma sensação, eles dizem. É real. E dizem
mais. Já se tornou lugar comum a ideia de que, se não pagamos para usar, nós
somos o produto. Mas, mesmo que possamos tentar não ser o produto, de nada
adianta se a grande massa de usuários continua a ter seus dados vendidos e
manipulados, contribuindo, desta forma, para a disseminação generalizada de
discursos de ódio e de notícias falsas.
“As redes sociais são um
cérebro e seus usuários, os neurônios”, pode parecer uma analogia assustadora,
mas é com ela que ex-funcionários do Facebook, Google, Twitter, Instagram
definem, no filme, o modus operandi das redes sociais em escala global. É
interessante, mas o que me veem à mente é uma metáfora mais vulgar onde os
usuários são átomos de uma peça em um tabuleiro de War.
O impacto nocivo das redes
sociais na política e nos rumos da sociedade já foi bem documentado no filme Privacidade
Hackeada (Karim Amer, Jehane Noujaim, 2019), que releva o uso
ilegal de dados do Facebook de pelo menos 87 milhões de pessoas em campanhas para
o referendo do Brexit, no Reino Unido, na eleição do presidente Trump, nos
Estados Unidos, e na eleição de Jair Bolsonaro, no Brasil.
O tema também é abordado no livro A máquina
do ódio (2020), no qual a autora, Patrícia Campos Mello,
demonstra como, influenciados pelas redes sociais, eleitores tendem a valorizar
políticos extremistas ao invés de moderados. Isso porque: “Só políticos com
ideias polarizadoras têm usado as mídias sociais de forma eficiente para
manipular eleições”.
O que O
dilema das redes mostra, porém, não é um esquema ilegal, mas o
funcionamento normal e legal das empresas. Um sistema que parecia se limitar a
ficções como as de Aldous Huxley e de George Orwell, com suas obras
visionárias, O Admirável Mundo Novo (de 1932) e 1984 (de 1949).
Mais de trinta anos depois do
ano de 1984, quando se daria a distopia imaginada por Orwell, o admirável mundo
das redes sociais permite acesso fácil e barato à informação, entretenimento,
comunicação e até à criação de conteúdo, mas castiga o mesmo globo que conecta,
abrindo caminho para políticos e movimentos histriônicos e irresponsáveis em um
ambiente de polarização que faria a Guerra Fria corar.
A interessante do filme O dilema
das redes está justamente nos relatos duros de pessoas que
estavam dentro da engrenagem. Além disso ele conta com o apelo de uma realidade
trágica: Brexit, Trump, Bolsonaro e toda a ofensiva obscurantista desafiando a
lógica em plena era da tecnologia da informação. Uma realidade que se ergueu
justamente sobre as bases expostas no documentário.
Me pergunto como chegamos a
este ponto se alarmes sobre os perigos do uso massivo e descontrolado da
internet e das redes sociais soam há tanto tempo. Tecnologia que, apropriado
ressaltar aqui, foi criada para uso militar e amplamente utilizada na
reestruturação do setor financeiro.
Autores que buscaram
compreender os fundamentos da sociedade moderna, como Theodor Adorno, Max
Horkheimer e Michel Foucault, já problematizavam questões como a reprodução em
série, a massificação cultural, a perda da identidade, a vigilância e o
controle social. Eles trazem em suas teorias pistas de como o mundo poderia
chegar à situação que o filme nos apresenta.
Mas não são apenas estas teorias abstratas as referências. Desde
a segunda década deste século o jornalista e ativista Julian Assange tem
demonstrado claramente o sistema de controle político e social perpetrado pelas
empresas que dominam a internet. Ele disse, por exemplo, no prefácio à edição
brasileira do seu livro “Quando o Google encontrou o Wikleaks”, de 2014, que “O
Google exemplifica os terríveis perigos da internet corporativa. Desde muito
cedo, seus fundadores perceberam que o processamento de informações em grande
escala os colocaria no centro de tudo”. E que: “Os brasileiros devem se
conscientizar de que, quando usam os ‘serviços’ do Google, estão sendo
aliciados para entrar em um relacionamento com uma mega corporação estrangeira
global muito milhões de vezes mais poderosa do que eles e sujeita a poucos
mecanismos de prestação de contas”.
Assange conta no livro como as
redes sociais manipularam as mega manifestações que varreram o oriente em uma
série de eventos que se tornaram conhecidos como “Primavera Árabe”.
Trazendo para a realidade
brasileira, constatamos que o mesmo fenômeno inflou o nosso Junho
de 2013, roubando, naquele momento, o protagonismo de
entidades organizadas (e com propósitos). Daquela catarse social, na qual a
opinião pública se confundia com likes e retuítes, nasceram as condições para
se viabilizar a Lava Jato, a derrubada de uma presidente eleita
democraticamente, o governo Temer, a retirada de direitos sociais, a prisão
injustificada do ex-presidente Lula e a eleição de um deputado federal caricato
e do baixo clero como presidente da República.
Na esteira destas contradições e injustiças sociais Julian
Assange, que escancarou o verdadeiro dilema das redes sociais, é tratado pelo
establishment como um marginal. Um dilema entre a democratização da informação
e da comunicação, por um lado, e o controle político sobre os indivíduos
através da apropriação de seus dados nas redes, por outro.
Não há resposta fácil. Estamos
presos à conectividade, às redes sociais e aos efeitos que elas produzem e esse
é um caminho sem volta. A velocidade da informação e da comunicação já
reorganizou o mundo e a tendência é ela se aprofundar. Renunciar também seria
uma forma de alienação e de pouco adiantaria.
A questão é: seremos um neurônio
em um grande cérebro virtual, um átomo em uma peça de War? Nos deixaremos
dominar ou dominaremos essas sedutoras ferramentas? Eis o dilema existencial
que aflige a humanidade desde que o homem começou a transformar a natureza.
Veja: Nas
ruas, nos salões e nas redes: para superar a crise https://bit.ly/3lg3rl8
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