Afinal, quem nos
traiu?
Luciano Siqueira
Campanha
eleitoral de 1986. Percorríamos os bairros do Recife em comícios diários – que
juntavam gente e davam aos candidatos a ilusão de que um bom discurso
propiciaria a conquista de votos.
Ele era é um candidato
sofrível. Nem me lembro por qual legenda. Fala estridente, quase metálica.
Conteúdo a mais das vezes incompreensível. Ao final, me cumprimentava
efusivamente e repetia:
- Teremos muitos votos juntos, companheiro.
Não lhe perguntava
aonde, nem apoiados em quem. Temia uma conta a ser assumida a título de despesas
operacionais com a nossa suposta dobradinha.
E assim fluíram os quase três meses de campanha. Eu disputava uma cadeira na Câmara dos Deputados, ele na Assembleia Legislativa.
Até que chegou o momento decisivo. Já não podíamos alimentar expectativas, teríamos que cotejar a verdade das urnas.
As urnas não me trataram bem. Tive talvez a metade dos votos que me seriam necessários. Ele talvez tenha obtido muito menos.
Eu o encontro no Clube Náutico Capibaribe, onde funcionavam várias mesas de apuração.
- E aí, amigo, conseguiu se eleger?, perguntei em tom solidário.
- Nada! Meus votos sumiram. A maçonaria nos traiu, a mim e a você.
Foi quando finalmente vim a saber aonde estariam os presumíveis votos aos quais ele se referia ao me encontrar nos palanques. E até hoje não sei como e por que motivo nós – ele e eu – teríamos o apoio de tantos eleitores maçons.
Eu tenho vários amigos na Maçonaria, porém jamais tratamos de votos. Sequer imaginava que a instituição pudesse se envolver na contenda eleitoral. Nem a que título o meu colega de palanques supunha haver conquistado tão decisivo apoio.
O fato é que
segui minha militância, que inclui presença direta ou indireta em pelejas
eleitorais a cada dois anos, e nunca mais soube do frustrado candidato naquele
fatídico pleito de 1986.
Da minha parte, o que os olhos não veem o coração não sente... Nunca vi nem ouvi de nenhum maçom alguma promessa, portanto não tenho do que me queixar.
[Ilustração: Caravaggio]
Famintos não ganham
consciência política espontaneamente https://bit.ly/2ZVr8pE
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