O ‘Estado de S. Paulo’, como
bem sabemos, é um dos órgãos de difusão dos interesses de parte da elite
dominante. Em seu editorial de hoje faz uma crítica contundente ao discurso de
Jair Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU – que vale a pena transcrever aqui
como indicativo das contradições no “andar de cima” da sociedade brasileira na
atualidade. (LS)
Como se estivesse em uma
de suas corriqueiras “lives” nas redes sociais, nas quais fala o que lhe dá na
telha e dá livre curso às mais delirantes teorias conspirativas, o presidente
Jair Bolsonaro usou os holofotes da abertura da Assembleia-geral da ONU para
reiterar suas irresponsáveis imposturas acerca de graves temas. A vergonha só
não foi maior porque depois de Bolsonaro quem discursou foi seu guia, o
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que estava mais afiado do que
nunca – entre outras barbaridades, ele defendeu que a ONU responsabilize a
China pela pandemia.
Como sempre colocando seus
estreitos objetivos eleitoreiros acima dos interesses do País, Bolsonaro
começou seu discurso reiterando pela enésima vez a farsa segundo a qual, “por
decisão judicial”, todas as medidas de isolamento para combater a pandemia de
covid-19 “foram delegadas a cada um dos 27 governadores das unidades da Federação”.
Todos sabem, contudo, que não houve nenhuma decisão judicial com esse teor. Há
tempos o Supremo Tribunal Federal (STF) esclareceu que, conforme o princípio
federativo expresso na Constituição, o governo federal não podia anular
unilateralmente decisões de governos estaduais e municipais para combater a
pandemia, como pretendia Bolsonaro, mas isso não o eximiu de cumprir as
responsabilidades próprias da União. Sem nenhum compromisso com os fatos,
contudo, o presidente Bolsonaro reafirmou a patranha segundo a qual seu governo
foi dispensado judicialmente de responsabilidade sobre a múltipla tragédia.
Acrescentou, como se isso não bastasse, que grande parte da crise foi causada
pela imprensa, que “politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população”.
“Sob o lema ‘fique em casa’ e ‘a economia a gente vê depois’, quase trouxeram o
caos ao país”, acrescentou o presidente, repetindo para uma audiência
internacional o discurso falaz que costuma fazer em seus rompantes
mitingueiros. E tudo isso resume apenas os cinco primeiros parágrafos do
pronunciamento, obviamente destinado não a mudar a imagem do Brasil, visto hoje
como pária em muitos círculos internacionais, mas sim a reafirmar aos
bolsonaristas fanáticos a disposição do presidente de continuar a ser o
Bolsonaro de sempre.
Assim, Bolsonaro pintou na
ONU o quadro de um Brasil glorioso, que “alimenta o mundo” e que avança a
despeito dos muitos inimigos – nunca nomeados e desde sempre interessados
apenas em obstar o sucesso do País. O Brasil, disse Bolsonaro, “desponta como o
maior produtor mundial de alimentos” e, por isso, segundo seu raciocínio, “há
tanto interesse em propagar desinformações sobre nosso meio ambiente”. “Somos
vítimas de uma das mais brutais campanhas de desinformação sobre a Amazônia e o
Pantanal”, disse Bolsonaro, negando o que todos são capazes de ver, isto é, o
aumento substancial da destruição daqueles biomas sob seu governo – que
sustenta um discurso irresponsável de desenvolvimento baseado no relaxamento da
legislação ambiental. “A Amazônia brasileira é sabidamente riquíssima. Isso
explica o apoio de instituições internacionais a essa campanha escorada em
interesses escusos que se unem a associações brasileiras, aproveitadoras e
impatrióticas, com o objetivo de prejudicar o governo e o próprio Brasil”,
declarou Bolsonaro. Na mesma linha da conspiração, em audiência no STF acerca
da questão ambiental, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional,
Augusto Heleno, havia dito que “não podemos admitir e incentivar que nações,
entidades e personalidades estrangeiras, sem passado que lhes dê autoridade
moral para nos criticar, tenham sucesso em seu objetivo, obviamente oculto, mas
evidente, que é prejudicar o Brasil e derrubar o governo Bolsonaro”. Assim, os
próceres do governo Bolsonaro não se envergonham de levar às mais altas
tribunas as teses mais doidivanas acerca de temas de enorme relevância para o
Brasil e o mundo, apostando na confusão. Debalde: como mostra a crescente fuga
de investidores estrangeiros, cada vez menos gente cai nessa conversa, que só
prejudica a nação brasileira.
Política externa
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