21 setembro 2020

O buraco é mais embaixo


A inflação do tijolo e do arroz tende a passar, também por um motivo ruim

Carestia será atenuada pela redução da renda dos mais pobres, com corte no auxílio

Vinícius Torres Freire, na Folha de S. Paulo

Tijolo, tintas, tubos e conexões ficaram bem mais caros na epidemia, além do arroz, do feijão, do ovo, do frango e do óleo de soja. São carestias diferentes, mas são o assunto da vida dura e real.
Varejo e grandes construtoras reclamam dos preços e da falta de produtos no prazo desejado. Vai passar, em parte boa notícia, em parte, não.
A alta do consumo de comida e de materiais de construção revela, como se ainda fosse preciso, a barbaridade da distribuição de renda no Brasil. Um tico mais de dinheiro na mão do povo causa bafafá. Quando acabar o auxílio emergencial, como vai ser?
Falta produto porque houve parada na produção na pandemia e porque o mercado de construção "formiga" esquentou, tudo óbvio. Houve forte redução de estoques na economia inteira, o que ficou evidente nos dados do PIB do segundo trimestre. O consumo de certos itens de resto explodiu a partir de maio, com o auxílio emergencial. A produção volta lentamente, no caso de materiais típicos da construção civil.
Apenas neste ano, até agosto, o preço médio do tijolo aumentou 17%. O das tintas, 6%. O do cimento, 11%. A inflação média, medida pelo IPCA, está em 0,7% neste 2020. Nem todo material para obras ficou mais caro, porém. O Custo Unitário Básico (CUB), o preço médio de fazer uma casa, por assim dizer, aumentou 2,9% em um ano, na média brasileira (ante 2,1% do IPCA em 12 meses), dados até junho. O preço da mão de obra para reformas ficou estagnado neste ano.

Mais deprimente é que o problema será atenuado pela redução da renda dos mais pobres. O auxílio emergencial mais do que cobriu a perda total de rendimentos do trabalho (da "massa de rendimentos") na pandemia e beneficiou especialmente quem ganhava pouco ou nada. Os auxílios de renda chegam a 44% dos domicílios, segundo o IBGE.
Com o fim do pagamento do auxílio emergencial, talvez a massa de rendimentos não caia muito lá pelo início de 2021, especulam economistas, com otimismo exagerado. Esse corte em parte será compensado por alguma recuperação do emprego e pelo gasto do dinheiro poupado na pandemia.
Mas a volta do emprego dos pobres será muito lerda e precária, até porque se empregam em pequenos serviços, que dependem da normalização na vida das cidades, que vai demorar. Além do mais, a retenção do consumo (o aumento da poupança) deve ter ocorrido entre os mais ricos.
A recuperação que houver em 2021, além de parcial, será desbalanceada, em desfavor dos miúdos e miseráveis, para variar. As carestias, do arroz ou do tijolo, devem passar também pelo pior dos motivos.
Orçamento de Bolsonaro é jogo combinado com banqueiros https://bit.ly/3iTKbYP

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