18 setembro 2020

Retrocesso


Fome voltou a assombrar brasileiros antes da pandemia, indica IBGE
Em 2017-2018, o nível de segurança alimentar dos domicílios caiu abaixo do nível registrado em 2004.
Mariana Branco, portal Vermelho

Um total de 84,9 milhões de brasileiros viviam em 25,3 milhões de domicílios com algum grau de insegurança alimentar em 2017-2018, segundo informações da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre os brasileiros que sofriam com insegurança alimentar, 56 milhõedomicílios com insegurança leve; 18,6 milhões sofriam com insegurança moderada e 10,3 milhões experimentavam insegurança alimentar grave.

A POF 2017-2018 mostra ainda uma queda acentuada na proporção de domicílios com segurança alimentar de 2004 para cá. Dados da antiga Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, que usa a mesma metodologia) indicam que a prevalência nacional de segurança alimentar era de 65,1% em 2004, cresceu para 69,8% em 2009 e chegou a 77,4% em 2013. No biênio 2017-2018, no entanto, essa prevalência caiu para 63,3%, abaixo do registrado em 2004.

As regiões com os menores índices de segurança alimentar são Norte (43%) e Nordeste (49,7%). Nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul os percentuais foram melhores: 64,8%; 68,8% e 79,3%.

Os dados do IBGE indicam também uma relação entre insegurança alimentar e ausência de rede de esgotos. Segundo a pesquisa, a rede geral de esgotos está presente em menos da metade dos domicílios com insegurança alimentar moderada (47,8%) e insegurança alimentar grave (43,4%). Em ambos os casos, a existência de fossa não ligada a rede é bastante relevante (43%).

Mulheres e pardos também predominam em domicílios com insegurança alimentar. Segundo a POF, nos domicílios em condição de segurança alimentar, predominam os homens como pessoa de referência (61,4%). Essa prevalência vai se invertendo conforme aumenta o nível de insegurança alimentar, até chegar a 51,9% de mulheres nos domicílios com insegurança alimentar grave.

Na análise por cor ou raça, os domicílios com pessoa de referência autodeclarada parda ficaram acima de 50% para todos os níveis de insegurança alimentar (50,7% para insegurança leve, 56,6% para insegurança moderada e 58,1% para insegurança grave).

“A chamada insegurança alimentar é a incapacidade de fazer frente, por meio da renda, ao acesso à alimentação”, afirma o sociólogo Clemente Ganz Lúcio. Ele destaca que os dados do IBGE mostram aumento da insegurança antes da emergência sanitária e disparada no preço dos alimentos.

“Era um período anterior à pandemia, onde o desemprego, o baixo crescimento e a geração de postos de trabalho precários, tudo isso, colaborou para um enfraquecimento da capacidade do mercado de trabalho em gerar proteção social. E uma das dimensões fundamentais dessa proteção social é a segurança alimentar”, comenta Clemente, que também é consultor das centrais sindicais.

Ele ressalta que a situação se agravou este ano, e, por isso, nunca foi tão fundamental manter o auxílio emergencial em R$ 600, pauta defendida pelas centrais em campanha lançada nesta quinta-feira (17).

“O aspecto do crescimento da insegurança representa a desigualdade. Agora, sobre tudo isso, você colocou uma crise sanitária com sintomas econômicos e uma carestia em relação aos alimentos. A população mais pobre usa o que tiver de renda para poder consumir alimentos. Essas pessoas não fazem nenhuma poupança. Toda a renda vai para o consumo, então, [quando a crise vem], cortam o consumo”, afirma.

Repercussão

Os dados da POF 2017-2018 repercutiram também entre parlamentares. O vice-líder da Oposição, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), lamentou os números. “O Brasil, que poucos anos atrás era referência mundial em segurança alimentar, voltou ao Mapa da Fome”, afirmou.

Já a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), vice-líder da Minoria, destacou que a situação fica ainda mais crítica nos lares chefiados por mulheres e negros.

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