Belluzzo: Carteira Verde e Amarela é volta ao
regime pré-industrial
“Todas essas reformas, e a maneira como são propostas, não vão chegar a
lugar nenhum. Não têm nada a ver com a recuperar o crescimento”, disse o
economista em entrevista.
Eduardo Maretti, portal Vermelho www.vermelho.org.br
Apesar
de a indústria brasileira estar em franco declínio e o desemprego em patamares
negativos assustadores, o que deveria preocupar os empresários, a Confederação
Nacional da Indústria (CNI) tem apoiado o governo de Jair Bolsonaro desde
sempre. A entidade publicou em seu site uma pesquisa segundo a qual, em agosto,
o índice de confiança no setor vinha crescendo. “Empresários de todos os
setores estão confiantes”, diz a entidade, apesar de não haver nenhum sinal de
plano governamental que aponte para a retomada do crescimento.
A própria CNI constata, em outra publicação,
que a indústria do país está em trajetória de queda desde 2009. “Com a nova
retração em 2019, a indústria nacional mantém perda de relevância no cenário
global e passa a ocupar a 16ª posição”, diz a entidade.
Como se explica tal contradição? “Você acha
que eles vão deixar de apoiar o governo porque a indústria está numa situação
ruim? Não há uma relação de uma coisa com a outra”, diz o economista Luiz
Gonzaga Belluzzo. “Não é absurdo, é da vida contemporânea. Eles se agarram ao
que corresponde mais à ideologia deles. As pessoas agem contra o que seriam os
seus interesses.”
O
ministro da Economia, Paulo Guedes, que episodicamente é dado como praticamente
fora do governo, continua apoiado pelo mercado, embora o país esteja “uma
lambança, uma desorganização, uma confusão”, na avaliação do economista.
“A aposta deles (do mercado) é nas reformas e
no Paulo Guedes, e eles acabam tolerando algumas violações”, diz Belluzzo. Para
ele, o teto de gastos, instituído ainda no governo de Michel Temer, é
“insustentável”. “É uma das ideias mais esdrúxulas que eu já vi.”
E a agenda de Paulo Guedes segue no Congresso
Nacional, com apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). “O Maia parece
que é preparado, mas é despreparado. Ele está sempre com essas posturas e
atitudes liberaloides, e o país está à deriva”, constata o economista.
Insensível
à crise econômica e no mercado de trabalho, a ideia do governo de instituir a
carteira de trabalho verde e amarela continua em pé. Embora a Medida Provisória
955/20, que criava o contrato instituindo a “novidade”, tenha perdido a
validade em agosto, Bolsonaro já afirmou que vai apresentar um novo texto.
Na opinião de Belluzzo, a ideia do governo é
mais do que uma forma de se dispensar as empresas de respeitar os direitos dos
trabalhadores, já que a proposta cria legalmente o salário por hora. “É muito
grave, porque vamos retornar ao regime de contrato de trabalho anterior à
revolução industrial, o regime do putting-out, em que você pagava por hora, ou
por peça etc. Ou seja, você está dissolvendo as relações salariais”, afirma o
economista. Confira a entrevista:
O
mercado parece que continua apostando em Paulo Guedes, embora sempre tenha o
boato de que ele pode cair a qualquer momento…
O
mercado está apostando em qualquer coisa. E não é porque Paulo Guedes vai ter
umas derrotas que vai sair. Ele vai tentar ficar o tempo inteiro. Eles acabaram
de retirar (o pedido de urgência) da reforma tributária da Câmara. Está tudo
uma lambança, tudo uma desorganização, uma confusão. E ele está brigando com o
Maia. O fato é que o país está à deriva.
Eles
podem brigar, mas Rodrigo Maia continua apoiando a agenda de Paulo Guedes, não
é?
O Maia parece que é preparado, mas é
despreparado. Ele está sempre com essas posturas e atitudes liberaloides, mas o
país está à deriva, e todas essas reformas, e a maneira como estão propostas,
não vão chegar a lugar nenhum. Não têm nada a ver com a possibilidade de
recuperar o crescimento.
Segundo
analistas políticos, o mercado é que tem sustentado o governo e Paulo Guedes.
Ou seja, a situação de sustentação continua…
Sim, e eles estão tolerando inclusive claras
violações do regime orçamentário. Mas o mercado é assim. A forma de coordenação
da economia e de controle está no mercado financeiro, estruturalmente. Se as
pessoas não sabem isso, não dá para entender nada. Mas eles exercem esse poder
de uma maneira muito peculiar. A aposta deles é nas reformas e no Paulo Guedes,
e eles acabam tolerando algumas violações, porque preferem observar as
violações, não fazer nada e continuar apoiando.
Violações
de que tipo?
Violações das regras que eles considerariam
adequadas para a gestão fiscal, por exemplo. Vai ocorrer um momento em que o
teto de gastos vai ser violado, porque é impossível cumprir, é insustentável. É
uma das ideias mais esdrúxulas que eu já vi. Aliás, a reforma da Previdência
era apresentada como a bala de prata das reformas que ele estava pretendendo. O
que aconteceu? Teve reforma da Previdência e não aconteceu nada.
Só
perda de direitos…
Sim, só isso. Agora querem o projeto de lei
que estabelece a carteira de trabalho verde e amarela. O que é isso? Salário
por hora, que também é uma forma de você dispensar as empresas de respeitar os
direitos dos trabalhadores. É muito grave o salário por hora, porque vamos
retornar ao regime de contrato de trabalho anterior à revolução industrial, o
regime do putting-out, em que você pagava por hora, ou por peça etc. Ou seja,
você está dissolvendo as relações salariais. E o efeito disso sobre a economia
vai ser muito grave. Porque vai deprimir violentamente o poder de compra da
massa de trabalhadores.
Fora
que a indústria está cada dia pior, mais deprimida…
Sim,
claro. E agora a CNI se deu conta de que o Brasil está caindo no ranking dos
países em desenvolvimento. No final dos anos 1970, era o país mais
industrializado entre eles e ocupava entre a quinta e a sexta posição no
ranking global.
Não
é curioso que a CNI tem apoiado o governo desde sempre?
É
isso. E você acha que eles vão deixar de apoiar o governo porque a indústria
está numa situação ruim? Não há uma relação de uma coisa com a outra. As
pessoas pensam que tem, mas não tem. São os paradoxos da vida social brasileira.
Os industriais e a indústria estão se ferrando, mas os industriais continuam
apoiando o governo que está ferrando a indústria.
Como
se explica esse absurdo?
Não é absurdo, é da vida contemporânea. Eles
se agarram ao que corresponde mais à ideologia deles. As pessoas agem contra o
que seriam os seus interesses.
Mas
os industriais não estão ganhando em aplicações no mercado financeiro, em vez
de investir na produção?
Sim, mas isso é assim em todo lugar do mundo.
Tirando a China, as empresas industriais viraram propiciadoras de ganhos
financeiros. No mundo inteiro, e no Brasil é assim também. E eles não têm
espírito de corpo, espírito de classe. Não existe aqui uma corrente
industrialista como já existiu no Brasil. Existiam industriais que eram comprometidos
com o projeto da industrialização. Partindo do Roberto Simonsen, indo até
Antônio Ermírio de Moraes. Mas essa turma acabou.
Conservadores,
mas industrialistas… O
que achou da proposta de reforma administrativa?
Acho que está muito confusa, estão tentando
preservar os militares. Vai ser difícil incluir a magistratura, o Judiciário
nisso, que vai apresentar sua própria reforma, e eles são muito cientes das
suas prerrogativas. Vai acabar afetando fundamentalmente a faixa de menor renda
do funcionalismo, porque o resto vai resistir muito, como já está ficando
claro.
A
reforma administrativa que tinha que fazer é pensar numa arquitetura
institucional entre o governo, os bancos públicos, as empresas públicas. Mas
isso não passa… Aliás, você já ouviu a palavra “indústria” da boca de algum dos
membros da equipe econômica? Eles nunca pronunciaram essa palavra, porque isso
não está no horizonte deles. Não sabem exatamente o que significa isso. Eles
estão falando de tudo, menos da indústria. (Fonte: Rede Brasil Atual)
Criminoso desmonte
do Estado nacional https://bit.ly/2R5RfFB
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