Alta no preço do arroz é abandono do mercado
interno, diz Pochmann
Sem projeto de desenvolvimento,
economia brasileira fica refém das flutuações internacionais. Esvaziamento dos
estoques da Conab impede a ação do governo no combate aos impactos dessas
variações nos preços dos alimentos
Portal Vermelho
Para o economista Marcio Pochmann, professor do Instituto
de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as elites
econômicas brasileiras estão abrindo mão de um projeto nacional estratégico e
do mercado interno como motor do desenvolvimento. O resultado é a maior
vulnerabilidade às variações nos preços das commodities. É o que vem
acarretando, por exemplo, com a elevação do preço do arroz nos
supermercados, com o saco de cinco quilos se aproximando dos R$ 40, em diversas
capitais.
“O que nos resta é uma certa
volta ao passado, em que a presença do Brasil na divisão internacional do
trabalho se dá basicamente na forma de uma fazenda de oferta de produtos
primários”, afirmou Pochmman em debate sobre as perspectivas do governo
Bolsonaro na TVPT.
Por outro lado, o país também
se torna mais dependente do exterior em termos de tecnologia. O próprio
agronegócio, por exemplo, passou a importar insumos, como fertilizantes. Até
mesmo a comercialização dos produtos agrícolas depende da participação de
“tradings” estrangeiras. A degradação ambiental é outra consequência desse
modelo agroexportador, segundo Pochmann.
O cientista político William Nozaki, professor de Ciência
Política e Economia da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo
(Fesp-SP), destacou que a desvalorização do real frente ao dólar faz com que o
produtor opte por exportar, em detrimento do mercado interno.
Além disso, o governo Bolsonaro
promoveu um esvaziamento dos estoques da Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab), que serviriam para conter essas flutuações, como no caso do arroz, por
exemplo.
Em 2015, os estoques médios
mensais de arroz da Conab ficaram em 1.629 toneladas. Em 2016, já na crise do
golpe do impeachment de Dilma, caíram para 88 toneladas. No governo Temer, a
média mensal ficou em torno de 30 toneladas mensais. Em 2019 e 2020, com
Bolsonaro e Guedes, caíram para 22 toneladas mensais.
Impactos políticos
A inflação dos preços dos
alimentos e a redução pela metade do auxílio emergencial devem acabar
impactando no recuo na popularidade do governo junto à população, segundo
Nozaki.
“O preço médio do botijão de
gás está em cerca de R$ 80. O saco de arroz a R$ 40. Se eu quiser temperar com
alho e cebola, vou pagar mais R$ 10 reais. Se comprar uma carne de mistura, vai
mais R$ 30. Já deu mais da metade do auxílio emergencial para fazer uma única
refeição”.
Por outro lado, Pochmann
destaca que o “orçamento de guerra” aprovado em função da pandemia permitiu ao
governo ampliar os gastos públicos. São recursos que equivalem a cerca de 8% do
PIB. “Uma manobra inimaginável para um governo neoliberal de extrema-direita.”
Com isso, tanto o governo federal quanto os estados e municípios
estão em condições favoráveis para executarem gastos, justamente às vésperas
das eleições municipais. “O governo vem com tudo para ter um bom, senão
excelente, resultado nas eleições municipais”, vaticinou Pochmann.
Os analistas também citaram
outros fatores que contribuem para o fortalecimento político do governo
Bolsonaro. Após a aliança com o Centrão, Bolsonaro vai tentar emplacar aliados
nos comandos da Câmara e do Senado, no início do ano que vem. Antes disso, deve
indicar o sucessor do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal
(STF), que se aposenta em novembro. A situação volta a se repetir em julho, já
que o ministro Marco Aurélio Mello também deixa a Corte.
Guedes na corda-bamba
Com o aumento do endividamento
público em decorrência da pandemia, a agenda ultraliberal do ministro Paulo
Guedes permanece em xeque, segundo os economistas. Mas o ministro busca reagir.
A principal ofensiva, segundo os analistas, é a chamada “reforma”
administrativa, que atinge a estabilidade do funcionalismo público. Ele também
busca acelerar as privatizações.
Outra expressão dessa reação, segundo Nozaki, é o encolhimento
das verbas discricionárias (gastos não obrigatórios) em áreas como saúde e
educação, por exemplo. Por outro lado, aumentaram os repasses para os
ministérios da Defesa e da Agricultura. Esse último caso, contudo, não deve
resultar em qualquer mudança na política de preços dos alimentos. São recursos
que vão reforçar, ainda mais, o modelo agroexportador.
Mas, dada a aparente guinada
econômica do governo, Pochmann acredita que a “agenda Guedes não terá sucesso”.
“Obviamente teremos um período de grande reação social, porque há uma
contestação crescente em relação à ausência do estado em setores fundamentais.”
Para Nozaki, o modelo
ultraliberal já não respondia às necessidades de retomada do crescimento em
condições de normalidade. Menos ainda agora, com a pandemia. “Nesse sentido, o
tabuleiro continua aberto para que as forças políticas possam se mexer diante desse
reposicionamento”. (Publicado
na Rede Brasil Atual)
Nas ruas, nos salões e nas redes: para
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